Eram 20h17 quando o assessor especial do presidente Lula para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, depois de ter ouvido no Jornal Nacional a informação sobre o defeito técnico que pode ter derrubado o avião da TAM, fez por três vezes um gesto obsceno cujo significado – top, top, top – qualquer adulto sabe. Seu assessor, Bruno Gaspar, foi mais desrespeitoso do que o chefe, fazendo outro gesto ainda mais grosseiro para o mesmo significado.

Garcia declarou depois que seu top, top, top significava “indignação”.
Assim, equivocou-se pela segunda vez porque uma eventual pane não exime o governo que ele integra da maior parte da responsabilidade pelo caos aéreo. Segundo, porque a sua obscena “indignação” se refere àqueles que criticam o governo – ou seja, com familiares de vítimas do desastre e todos os passageiros, que agora têm duplo motivo para se indignar: com a omissão do governo e com os excessos de Garcia. Na sexta-feira 20, familiares das vítimas demonstraram essa indignação de forma bem mais civilizada: deitaram-se no chão do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. Todos eles de braços cruzados para mostrar que cruzar os braços tem sido a atitude do governo diante da crise.

INCAPAZ DE DAR RESPOSTAS À CRISE AÉREA EM DEZ MESES, O GOVERNO FEDERAL DEMOROU DIAS PARA REAGIR AO DESASTRE

Na verdade, o fato é que o governo continuou imóvel assim que ocorreu o acidente. Lula estava no gabinete, mas se solidarizou pelo porta-voz, e não pessoalmente, com as famílias das vítimas. O presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi, fora a Lisboa para voltar a Brasília num vôo festivo da TAP. O presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, continuou como sempre à caça de explicações. O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, se fechou. E o já combalido ministro da Defesa, Waldir Pires, também ficou mudo. Na noite da quintafeira 19, Lula anunciou um pronunciamento à Nação para o dia seguinte. O presidente nem sequer havia aparecido em público sob a justificativa de que estava com a face inchada por conta de uma cirurgia para a retirada de um terçol. Depois de quase um ano de filas e atrasos infindáveis nos aeroportos, Lula parecia ter chegado à conclusão de que tem órgão demais para resultados de menos. Mandou chamar o presidente da Infraero para uma conversa. Chamou também dirigentes da Anac. Aconselhado por auxiliares próximos, chegou à conclusão de que, independentemente da causa da tragédia com o avião da TAM, era preciso tomar medidas enérgicas.

O diagnóstico do presidente é aquele que já estava desenhado faz tempo: cabeçada entre os órgãos, desorganização da malha aérea e excessivo poderio das companhias de aviação sobre as decisões de dirigentes da Anac e da Infraero, por exemplo.

Às pressas, o governo preparou um conjunto de medidas a serem anunciadas. O pacote incluiria alterações no aeroporto de Congonhas e a criação de um órgão que passe a centralizar a gestão dos aeroportos e das rotas aéreas. E, na tentativa de dar uma resposta política à crise que se arrasta há dez meses, desde o acidente com o Boeing da Gol, Lula decidiu demitir o ministro Waldir Pires, o brigadeiro José Carlos Pereira e a cúpula da Infraero. Embora Lula exima o ministro de qualquer responsabilidade pela tragédia do vôo 3054 da TAM, ele vem demonstrando insatisfação (lenta insatisfação) com o seu trabalho. A expectativa do Planalto era de que o próprio Pires, classificado por Lula como patrimônio histórico da política nacional, tomasse a iniciativa de entregar o cargo para não passar pelo constrangimento da demissão.

Lula chegou a sondar seu vice, José Alencar, para reassumir a Defesa. Alencar não respondeu de pronto. Consultou a mulher e o filho. Ambos vetaram, mas diante da insistência do presidente ele topou com uma condição típica de um governo de braços cruzados: não pode haver muita cobrança de seu trabalho. Se for mesmo para o Ministério, Alencar quer dar meio expediente e não pretende ter dor de cabeça com os assuntos mais espinhosos da Pasta. Para isso, exigiu um secretário-executivo forte. O nome que surgiu na conversa foi o do brigadeiro Juniti Saito, comandante da FAB. Como toda decisão demora nesse governo, o presidente ficou de sondar se não haveria oposição do Exército e da Marinha. O brigadeiro José Carlos Pereira, de saída da Infraero mas um nome respeitado por Lula, teria como prêmio de consolação a nomeação para um posto na área de inteligência do governo, possivelmente a Abin. Se resultados virão disso, é esperar para ver.