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Arquive-se o Lulinha Paz e Amor. Desde o sábado 24, quando disse com todas as letras o que o País inteiro já sabia – que é, e sempre foi, candidato à reeleição –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro que o figurino eleitoral que vai usar em 2006 é, dos pés à cabeça, em tudo mais áspero, berrante e polêmico do que o utilizado em 2002. O político bom moço, orientado a agradar à classe média, acalmar os mercados internacionais e preservar de ataques os adversários, dá a vez, agora, ao presidente liberado para bater acima e abaixo da cintura de seus oponentes, derramar-se em auto-elogios e, principalmente, posar à la Getúlio Vargas, no melhor estilo ‘pai dos pobres’. O principal adversário, o PSDB do candidato Geraldo Alckmin, será tratado à base de pedradas verbais. “Hoje as vozes do atraso estão de volta”, disse Lula na convenção petista. “Pensam que o povo esqueceu o tamanho do buraco que eles cavaram e que só não engoliu o Brasil porque o Brasil era maior do que o abismo que eles construíram.”

O candidato presidente também mandou às favas a preocupação em agradar de ponta a ponta ao eleitorado nacional. Para ele, tudo o que interessa é o voto maciço do Nordeste e a preferência em peso das classes C e D concentradas nas periferias das grandes cidades do Sudeste. Na quarta-feira 28, perorando em Contagem, no interior de Minas, Lula comemorou o estouro da meta de 1,1 milhão de famílias incluídas no Bolsa-Família – chegou-se, em junho, a 1,8 milhão – e deu-se ao luxo de ironizar suas próprias bases. “Seria tão mais fácil a gente governar se tivéssemos que cuidar só dos pobres”, iniciou. “Os pobres não têm dinheiro para ir protestar em Brasília.” De quebra, estocou a outra ponta da pirâmide social. “O pobre quer apenas um pouco de pão, enquanto o rico, quando encosta na gente, quer um bilhão.” Está em quatro Estados do Nordeste (Bahia, Pernambuco, Ceará e Maranhão) e nos dois mais populosos do País (São Paulo e Minas) o maior número de atendimentos do principal programa assistencial do governo – e mais vistosa bandeira eleitoral de Lula, cuja sombra se estende a 40 milhões de pessoas.

Ficou no passado o político embrutecido que fazia alianças na base do tudo ou nada. Após uma frustrada tentativa de coligação com o PMDB, Lula não passou recibo da derrota e vai usando de picardia para obter o apoio de seus principais líderes. Assistiu à classificação do Brasil às oitavas-de-final da Copa do Mundo, no jogo contra o Japão, no Palácio do Planalto ao lado do governador do Rio Grande do Sul. Este prometeu-lhe passar a campanha inteira sem atacar o governo. “Pode ser que em apenas três ou quatro Estados o presidente não seja apoiado pelos candidatos a governador do partido”, disse a ISTOÉ o presidente do Senado, Renan Calheiros, principal articulador da legenda. Sinal de que o líder nas pesquisas e senhor de uma caneta que acelera os salários de suas bases no funcionalismo público é, hoje, um político bem mais auto-suficiente.

O perfil de todos os homens em postos-chave no comando da campanha de reeleição igualmente revela a marca de que o presidente se basta a si próprio. Dos coordenadores políticos ao tesoureiro, passando pelos principais conselheiros, um a um eles são petistas puro-sangue. Nenhuma concessão a aliados, nenhum rosto novo capturado em seus tantos contatos pelo País. O coordenador-geral é o presidente do PT, Ricardo Berzoini. Mas ele terá seu poder dividido com o ministro da Articulação Política, Tarso Genro. A idéia é que Tarso coordene as viagens presidenciais nos dias úteis, quando o presidente percorrerá o País fazendo “vistorias” a obras federais. Nos fins de semana, a bola fica com Berzoini, encarregado de montar palanques para comícios.

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O marketing, que inclui o programa de televisão, com 6’34” – contra 9’2”de Alckimin –, está orçado em R$ 12 milhões. Recaiu sobre o comando do baiano João Santana, ex-sócio de Duda Mendonça. Santana vai chefiar uma equipe de 50 pessoas. A intenção é mostrar a geração de empregos, as obras físicas e promover inúmeras comparações entre o atual governo e o do antecessor Fernando Henrique Cardoso. Além de Berzoini, Genro e Santana, o time do capitão Lula se completa com o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, o chefe de Gabinete, Gilberto Carvalho, e o assessor de Relações Internacionais, Marco Aurélio Garcia. A princípio, serão os conselheiros do presidente candidato, com os quais se darão as conversas mais fechadas, de avaliação de desempenho e escolha de estratégia. Com os dois últimos, Lula convive há mais de 20 anos.

Uma questão nevrálgica, pela qual o presidente passou meses procurando uma solução, foi a escolha do tesoureiro. Mas não se pode dizer que o ungido, o prefeito de Diadema, José de Filippi Jr., seja um nome longe de polêmicas. No dia seguinte à sua indicação, na quarta-feira 28, já se lembrava que as contas de sua gestão em 2001 e 2002 receberam parecer desfavorável nos julgamentos do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Filippi, de qualquer modo, vai sendo visto como um mero repassador de recurso, e não um arrecadador. Ele deverá administrar um caixa cuja previsão de fundos é de R$ 35 milhões em contribuições declaradas. Ninguém quer assumir publicamente a tarefa da arrecadação. Nem mesmo um organismo pró-Lula talhado para obter bons recursos, como o Comitê Empresarial criado na semana passada. “Certamente haverá contribuições individuais”, afirma o empresário Lawrence Pih, integrante do grupo. “Mas fazer dinheiro não é nossa tarefa. Queremos passar longe disso.” Quanto mais subir nas pesquisas, e mais forte mantiver acesa a chama da vitória em primeiro turno, mais a campanha de Lula deverá arrecadar. Acredita-se que em seus cofres entrem R$ 50 milhões até outubro.

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Nos bastidores, Lula chamou o dirigente petista Walter Pomar para fazer o jogo pesado. Ele comandará uma equipe que vai procurar via internet os chamados “mísseis de difamação”. Será ele o encarregado de rebater denúncias e dar o troco nos adversários. Outro integrante da cúpula petista, Joaquim Soriano, cuidará das análises das pesquisas. O presidente da CUT, João Felício, será o encarregado da mobilização. Noutras palavras, encher de gente os comícios do presidente. O atual assessor de Relações Internacionais, Marco Aurélio Garcia, fecha o time da reeleição na função que já foi de Antônio Palocci, como coordenador do programa de governo.

Que ninguém se engane. Com o script aberto para improvisar, sem problemas de caixa e com uma coleção de números econômicos e sociais na ponta da língua, Lula está à vontade para fazer o que mais gosta: falar, abraçar pessoas, carregar crianças no colo, enfim, deixar o paletó e a gravata para se entregar nos braços do povo de jaqueta, boné e camiseta. Algemado a discursos formais, nos primeiros tempos de seu governo, o presidente tropeçava nas palavras, atropelava o ritmo e a pontuação. Agora, quando seus conselheiros intelectualizados – como José Dirceu e José Genoino – sucumbiram nas águas do mensalão, Lula pode fazer cumprir a sina vaticinada pelo ex-ministro Delfim Netto: “Os tucanos irão provar do veneno que eles mesmos criaram – a reeleição com o presidente no cargo.”