Cultura

O avô dos hippies
Jack London relata em A estrada histórias de viajantes que perambulavam sem rumo pelos EUA no início do século XX

Natália Rangel

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Nascido numa família pobre de San Francisco, na Califórnia, filho de pai astrólogo e mãe espírita, o escritor americano Jack London (1876- 1916) viveu três anos numa fazenda onde as condições de trabalho eram extremamente rigorosas, com jornadas que se estendiam por até 14 horas diárias. Depois de se mudar cinco vezes com a família, aos 16 anos ele decidiu partir e sobreviver por conta própria. Ao longo de sete meses, viveu como um mendigo, pedindo, outras vezes roubando, mas sempre bebendo pelas estradas e ferrovias dos EUA. Aproveitou-se para isso da grande expansão ferroviária que ocorrera no país no século XIX e juntou-se às hordas de desempregados e famintos que se dirigiam a Washington para exigir do governo melhores condições de vida. A verdade é que ele até tinha a intenção de participar do movimento, porém, desencontrou-se do grupo sucessivas vezes até desistir e seguir numa aventura sem destino certo.
Nesse período conheceu o submundo da América e seus personagens e formou sua posição política contrária ao capitalismo e avessa às comodidades burguesas. Subia nos trens em movimento e muitas vezes se escondeu nos trilhos para escapar dos olhos atentos dos guardas. Essas experiências foram publicadas na revista Cosmopolitan em 1907. E agora podem ser conhecidas no livro A estrada (Editora Boitempo, 200 págs., R$ 38), que é editado pela primeira vez no Brasil e reúne nove crônicas autobiográficas do escritor. Suas narrativas inspiraram autores célebres como Ernest Hemingway e clássicos da geração beatnik, como Jack Kerouac, autor de Pé na estrada. Numa passagem, London está numa pequena cidade no oeste americano e pede comida numa residência. O dono da casa, um orgulhoso proprietário de terras, diz que poderia lhe dar trabalho: descarregar tijolos de um caminhão. London argumenta que gostaria muito, mas antes precisava comer porque tinha fome. Em resposta, o austero senhor zomba do viajante, dizendo que se desse comida a ele, jamais o veria de novo. E acrescenta que só enriquecera por ser trabalhador. Ao que London contra-argumenta: “Mas se todos nós nos tornássemos como o senhor, me permita dizer que não haveria ninguém para descarregar os seus tijolos.”

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