A carioca Letícia Moraes costuma pegar o ônibus 59 todas as manhãs para chegar à escola Saint Martin, na praça Russell Square, onde estuda inglês. Mas, na manhã da quinta-feira 7, seu ônibus não conseguia vencer o intenso tráfego e, a duas quadras da escola, Letícia resolveu descer. “Achei estranho, porque dezenas de pessoas andavam na direção contrária ao centro, falando em seus celulares. Foi quando soube que um ônibus tinha acabado de explodir próximo dali. Vi uma turma de brasileiros falando no telefone público. Estavam em pânico. Na região há muitos estrangeiros”, disse a estudante a ISTOÉ. Eram 10h (6h em Brasília) e o ônibus londrino de dois andares (um símbolo inglês) tinha explodido havia apenas 13 minutos na rua Tavistock. Ficou aberto como uma lata de sardinha. Sem saber o que estava acontecendo e com as estações de metrô fechadas, as pessoas caminhavam em fila. A cena era inédita na congestionada Londres: milhares andavam quilômetros e quilômetros ao som de sirenes de ambulância e da polícia. Muitos paravam em frente às televisões ligadas e ouviam o rádio para obter mais informações. A explosão no ônibus da rua Tavistock era a quarta e última a atingir em cheio o coração de Londres, em uma seqüência de ataques a bomba que deixou ao menos 50 mortos e 700 feridos no mesmo dia em que se inaugurava em Gleneagles, na Escócia, o encontro do Grupo dos Oito, os sete países mais ricos, mais a Rússia.

Assim como os atentados de Madri em março de 2004, que deixaram 192 mortos e mais de 1.200 feridos, todos os ataques na capital inglesa aconteceram na hora do rush e em transportes públicos. Por causa da chuva matinal, muitos londrinos deixaram a bicicleta em casa – um de seus transportes favoritos no verão. Três ataques ao metrô londrino transformaram a vida subterrânea da cidade em um inferno. A primeira explosão foi às 8h51 (4h51 de Brasília), a 100 metros da estação de metrô Liverpool, no centro financeiro da capital britânica. Cinco minutos depois (8h56), outra bomba explodia na estação King’s Cross, uma das mais abarrotadas. Às 9h15, um trem que seguia rumo a Edgware Road explodiu e atingiu outra composição. Nele estava o brasileiro José di Michele, analista de sistemas. Di Michele conseguiu escapar por uma janela quebrada. “As luzes se apagaram e o vagão se encheu de fumaça. Aí, eu resolvi sair. Uma mulher grávida me pediu ajuda e a gente foi caminhando juntos pelos trilhos, até chegar à plataforma. No caminho, ouvimos muita gente gritando. A maioria das pessoas ficou no trem, esperando por ajuda. É estranho passar por tudo isso, moro aqui há seis anos e desde o ano passado, quando houve os atentados em Madri, a gente ficou esperando o dia em que aconteceria em Londres. Era só uma questão de tempo. Tive sorte. Nasci de novo”, disse o brasileiro. O Itamaraty afirmou que não tinha registros de vítimas fatais brasileiras e colocou à disposição um telefone para quem precisar de notícias de familiares em Londres: (61)3411-6978, ramal 206, ou pelo endereço eletrônico dac@mre.gov.br. No Reino Unido, vivem cerca de 100 mil brasileiros, a maior parte na capital britânica.

Ataque anunciado – Desde os atentados na capital espanhola, Londres vem se preparando para uma grande ofensiva terrorista. O governo do primeiro-ministro Tony Blair, por ser um aliado canino dos Estados Unidos na guerra do Iraque, recebeu diversas ameaças. Os treinamentos da polícia antiterror foram extensamente propagados pela mídia britânica e modernos equipamentos foram comprados para possíveis ataques químicos ou biológicos. Mas, mesmo com todo esse preparo e com a vasta experiência dos ingleses em lidar com o terrorismo, adquiridos durante duas décadas de ataques do IRA (o Exército Republicano Irlandês, que assinou um acordo de cessar-fogo em 1997), a população ficou assustada. Terror é terror e essa foi a pior ofensiva já registrada desde a Segunda Guerra Mundial contra o Reino Unido. Além disso, Londres estava em festa na noite anterior e caiu em desgraça em menos de 24 horas. “Foi um choque. Especialmente porque a cidade acabava de ser eleita como a anfitriã dos Jogos Olímpicos de 2012. Ontem foi o melhor dia para os londrinos e hoje o pior”, disse o jornalista Gavin McCowan do jornal The Guardian. As comemorações foram suspensas e a cidade entristeceu. McCowan iria ao show da cantora brasileira Daniela Mercury, que também foi cancelado.

Apuros de Daniela – Em entrevista a ISTOÉ, Daniela contou que estava no Hotel Renaissance, a 500 metros de uma das estações atingidas. “Mais de 50 policiais revistavam todo mundo que entrava no hotel. Ninguém podia sair. Essa é a segunda vez que eu presencio um atentado. Em 1994, o IRA botou uma bomba no aeroporto de Heathrow e o meu avião quase não decola.” A cantora brasileira, que é embaixadora do Unicef e da Unesco, acrescentou: “Não é possível acreditar que atos como esse tragam algo de bom para o mundo, se é que eles estão buscando mostrar a indignação contra o poder dos países ricos.”

Tanto a polícia como os bombeiros e os paramédicos foram rápidos. E os britânicos agiram com calma. Diariamente três milhões de pessoas circulam pelo mundo subterrâneo londrino. Como o transporte foi suspenso, dezenas de ônibus de linha serviram para levar os feridos – os mais graves com queimaduras e amputações – para os hospitais nas regiões dos atentados. Cerca de 100 ambulâncias e 250 equipes médicas foram deslocadas para as cenas da tragédia. Rapidamente hospitais como o Royal London Hospital e o University College Hospital receberam médicos e enfermeiras para tratar dos feridos com problemas respiratórios. Apesar disso, dezenas de corpos ficaram enroscados na malha do trens.

Até a sexta-feira 8 a Scotland Yard (polícia metropolitana londrina) desconhecia os autores dos atentados e como exatamente as bombas foram colocadas nos trens e no ônibus. O chanceler britânico, Jack Straw, indicou haver impressões digitais da rede Al-Qaeda. A Organização Secreta da Jihad da Al-Qaeda, um grupo até então totalmente desconhecido, assumiu os ataques através de um comunicado na internet e ameaçou vingar-se de outros aliados dos americanos, a Dinamarca e a Itália. A autencidade do informe não pôde ser verificada, mas essa organização parece ser mais uma da lista de radicais islâmicos inspirados em Osama Bin Laden. Por precaução, além dos Estados Unidos, países europeus como França, Alemanha, Espanha e Itália reforçaram sua segurança em aeroportos e locais públicos. Por enquanto, não dá para medir o resultado político da desgraça na Grã-Bretanha.

No início deste ano, Blair tentou aprovar na Câmara dos Comuns uma lei antiterror que apertasse o cerco de suspeitos de terrorismo, restringindo suas liberdades. A lei não foi aprovada. Na vizinha Espanha, o então premiê conservador José Maria Aznar perdeu a reeleição dois dias após os atentados de Madri por ter mentido para a população sobre a autoria do ataque. Em contraposição, Blair agiu rápido e mostrou determinação. Ainda na Escócia, horas antes de chegar de volta à Downing Street, 10 (endereço oficial do governo), o primeiro-ministro britânico condenou os ataques, classificando-os de bárbaros, e apelou à cúpula do G-8 que não fosse intimidada pelo terror. “Nosso modo de vida é maior do que a determinação dos terroristas em matar inocentes em uma tentativa de impor sua visão ao mundo”, disse o premiê. Apesar de ter criticado o islamismo radical, Blair fez questão de separar a populosa comunidade islâmica na Grã-Bretanha dos extremistas.

Bush fortalecido – O discurso do mandatário britânico fez coro com os de outros líderes presentes na reunião e, mais uma vez, prevaleceu a visão maniqueísta de George W. Bush sobre como o terror ameaça o mundo e não apenas uma única
nação. O presidente americano reforçou a idéia de que “a guerra contra o terror deve continuar”. Vladimir Putin, o presidente russo, pediu união no combate ao terrorismo internacional. Solidariedade ao povo britânico veio de vários líderes, do francês Jacques Chirac ao brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, convidado do G-8. “O Brasil expressa sua mais firme condenação a mais essa deplorável ação terrorista”, disse
o presidente Lula.

Os felizardos brasileiros Letícia e Di Michele tiveram sorte de escapar ilesos das
cinzas dessa tenebrosa quarta-feira, mas sentiram na pele a vulnerabilidade vivida
por grande parte da população européia. “Se me perguntarem o que é pior, um tiroteio entre traficantes no Rio de Janeiro ou os atentados a bomba em Londres, eu não saberia responder”, disse Letícia. E a sensação, como já tiveram os londrinos e os moradores estrangeiros desta cidade, é que uma nova carnificina pode acontecer. A qualquer momento, em qualquer lugar.