Um acontecimento bizarro marcou o anúncio oficial da criação de Brasília em maio de 1957. Após a missa rezada no local onde seria erguida a nova capital do País, discursaram o presidente Juscelino Kubitschek e o cardeal dom Carlos Carmelo Vasconcellos Motta. Curiosamente, enquanto o religioso falou de metas políticas, JK deu uma lição de fé e espiritualidade. O fato passou despercebido – hoje se sabe que eles leram discursos trocados. Casos pitorescos como esse também fazem parte da história de um país e, por isso, é bom que fiquem documentalmente registrados. Esses discursos ficaram e ainda podem ser ouvidos. A gravação faz parte do acervo de quatro mil vozes colecionadas há quatro décadas pelo jornalista paulista Luiz Ernesto Kawall, dono de uma das maiores “vozotecas” particulares do Brasil. Até o final do ano esse precioso material estará disponível para consulta no Centro Universitário Fieo (UniFieo), em Osasco.

Da primeira gravação arquivada, na qual se ouve Thomas Edson brincando com os filhos, a discursos de figuras díspares como John Kennedy e Lênin ou Hitler e Gandhi, o que vale para o colecionador é o registro – seja ele em disco, fita cassete, VHS, DVD ou CD. Tanto pode ser uma canção escondida em algum álbum empoeirado, garimpado em feiras de antigüidade, como fragmentos de conversa surrupiados por meio de um gravador escondido, método usado para que se conseguisse, por exemplo, a voz do arredio pintor Alfredo Volpi durante um jantar do grupo Santa Helena. A lista de vozes é enorme e variada: Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Joseph Goebbels, Pelé cantando em dueto com Elis Regina, Franklin Roosevelt, Dwight Eisenhower, Marilyn Monroe, Benito Mussolini e muitos outros. Não faltam discursos históricos como o de Getúlio Vargas declarando guerra às forças do Eixo, os de Fidel Castro e Che Guevara em Sierra Maestra e o de Bertolt Brecht defendendo-se do macartismo. Outras gravações raras são as de Sigmund Freud falando de psicanálise, JK discorrendo sobre as serestas de Diamantina e o locutor Geraldo José de Almeida narrando o primeiro gol de bicicleta marcado por Leônidas da Silva. Além de gravações, Kawall tem outras preciosidades. Na sala de seu apartamento, em São Paulo, destaca-se um televisor General Electric distribuído em 1950 por Assis Chateaubriand na inauguração do primeiro canal de televisão no Brasil, a TV Tupi. Apesar do tesouro que possui, o colecionador Kawall ainda não está feliz. Falta-lhe algo? “Sim, ainda me falta a voz de Padre Cícero.”