Com a estrela do PT rasgada de ponta a ponta e os companheiros de muitos anos se esvaindo em sangue, o presidente Lula nunca esteve tão preocupado, irritado e decepcionado com o seu partido e com os amigos que mergulharam em desgraça em meio à torrente de denúncias. O furacão de acusações que há quase dois meses paralisa o governo obrigou Lula a trocar ao mesmo tempo dois pneus com o carro em movimento. Na sexta-feira 8, o presidente acertava detalhes da terceira reforma ministerial. No mesmo dia em que retocava seu governo, ele interveio também na reformulação do PT, para evitar que o partido afunde de vez na planície. Lula estendeu seus tentáculos a São Paulo e enviou Ricardo Berzoini, que acabava de abandonar a Pasta do Trabalho, para a reunião dos setores moderados do PT – o chamado Campo Majoritário. O grupo tem maioria no Diretório Nacional – instância decisória máxima do partido, integrada por 83 pessoas. Mas os moderados, humilhados, perderam força com as notícias de que o homem-bomba Marcos Valério – publicitário que tem contratos com o governo – avalizou dois empréstimos para o PT, com as assinaturas do então tesoureiro Delúbio Soares e do presidente nacional do partido, José Genoino. A plástica no rosto do PT inclui a substituição na direção partidária dos quadros inexpressivos por figuras públicas de peso, vindas do Planalto e do Parlamento.

Como se não bastasse a montanha de problemas, mais um pesadelo tomou conta do Planalto nos últimos dias: o de que o rachado PT caia nas mãos da ala mais radical, que detona a política econômica liderada pelo ministro Antônio Palocci (Fazenda). Uma preocupação que vem aumentando e promete tirar o sono do governo até setembro, quando será realizado o Processo de Eleição Direta (PED) do PT, com a renovação da direção partidária pelo voto dos seus 800 mil filiados em todo o País. O grupo moderado tem as rédeas do partido nas mãos, representado na presidência por Genoino. Mas ele e os outros caciques do PT caíram em desgraça após as denúncias do deputado Roberto Jefferson sobre o chamado mensalão. Como peças de dominó, Jefferson empurrou a primeira, e as outras foram caindo enfileiradas. Começou com José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil), que presidiu o partido de 1995 a 2003. Mesmo quando reinava no Planalto, Dirceu continuava dando as cartas no partido presidido por Genoino. O ex-ministro era o mentor da estrutura burocrática do PT encabeçada por Delúbio Soares e por Sílvio Pereira (ex-secretário-geral). Dirceu deu o pontapé inicial no processo de “profissionalização” do partido, que incluiu a sua informatização em todo o País e até o sonho de comprar um prédio inteiro para servir de sede nacional em uma das regiões mais ricas de São Paulo. O partido estava sendo organizado para servir de espinha dorsal do projeto de poder de longo prazo.

Bombas – A alma de guerrilheiro impiedoso de Dirceu passou o trator sobre os adversários internos que se insurgiam contra seu projeto de poder. A coluna vertebral desse plano era a formação de um leque amplo de alianças, inclusive com partidos como o PP de Paulo Maluf e o PTB de Roberto Jefferson. Tudo deu certo até quando um dos novos companheiros, Jefferson, detonou várias bombas sobre o PT. Agora, os xiitas estão vitaminados e ganham adesões até de setores do centro ideológico do partido, envergonhados com o sangue jorrado sobre uma de suas bandeiras mais caras: a da ética. Caos na planície, medo e solidão no Planalto. Do tripé que sustentava Lula, só sobrou firme e forte o ministro Antônio Palocci, aplaudido pela opinião pública. Dirceu tombou e Luiz Gushiken (Comunicação e Gestão Estratégica) está ferido por rajadas de denúncias. Mas Lula, com seu estilo de governar com o coração, insiste em manter a seu lado o amigo Gushiken, o “China”, como o chama carinhosamente. Na crise, o ministro que mais se aproximou de Lula foi o da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Um dos melhores advogados criminalistas do País, Bastos é amigo de Lula há anos. Bastos e Palocci são hoje os donos das vozes mais influentes nos ouvidos presidenciais. Além de conselheiros nos momentos de pânico, os dois ministros transitam fácil pela oposição e tentam construir pontes com PSDB e PFL. Várias cartas estão sendo colocadas na mesa de negociação para evitar o cerco total a Lula, uma delas a desistência do projeto de reeleição.

Coração – No início, quando a estrela vermelha reluzia até nos jardins presidenciais, Lula estava amparado por amigos dos tempos das greves do ABC. Mas esses companheiros foram se desiludindo com as agruras do poder. O primeiro a deixar
o barco foi o empresário e amigo Oded Grajew, que estava ao lado de Lula desde
a campanha presidencial de 1989. Depois, o jornalista Ricardo Kotscho e o dominicano Frei Betto, ambos velhos companheiros. Restaram ainda os conselheiros petistas Gilberto Carvalho, chefe de gabinete, Clara Ant, que anota
as audiências, e o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci. Apesar de não ter nascido no berço petista, o comunista Aldo Rebelo, que tenta fazer a articulação política, apesar do bombardeio do PT, conquistou o coração de Lula por sua discrição e fidelidade.

Anteparo emocional de Lula, a primeira-companheira Marisa Letícia acabou até
se instalando em um gabinete a 50 metros da sala do marido. Sem interlocutores dentro de seu partido, Lula trata de refazer as pontes para evitar que o PT se transforme na principal pedra a ser atirada nas vidraças do Planalto. Assim, o presidente tem chamado para atuar como bombeiros no front petista amigos como Jaques Wagner, presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social,
e o governador do Acre, Jorge Viana, este com lugar cativo no quarto de hóspedes
do Alvorada, a residência oficial. Wagner e Viana são petistas com perfil bem diferente do de Dirceu: ambos têm jogo de cintura e não pisam na bola. É o mínimo que o presidente Lula precisa.