Nos anos de ativismo político, quando lutava pelo fim da guerra do Vietnã na década de 60 e se opunha abertamente à política belicista do presidente americano Richard Nixon, a atriz Jane Fonda, cuja autobiografia Minha vida até agora (Record, 642 págs., R$ 70) acaba de ser lançada no País, passou por maus pedaços. Voltando para Hanói depois de uma visita à aldeia de Nam Dinh, que teve 60% de sua área completamente destruída por 50 bombas, ela recebe um súbito aviso do seu intérprete vietnamita. “Rápido”, diz ele. “Há um ataque chegando.” Jane sai correndo do carro e se dirige com os companheiros para a estrada de terra que margeia extensos campos de arroz. À procura de um abrigo, ela é puxada por uma garota vindo da escola com seus livros amarrados nas costas. A menina a leva para uma vala com espaço para apenas uma pessoa. As duas enfiam-se no lugar, abraçadas, e lá ficam em silêncio até acabar o bombardeio. Passado o susto, Jane desaba a chorar e pede desculpas à garota. Mas, para sua surpresa, a menina diz que ela deveria chorar pelos soldados americanos, que não sabiam por que estavam lutando. “Pensei sobre essa experiência muitas vezes, ao longo dos últimos 30 anos”, escreve Jane Fonda no livro, que figura há meses na lista dos mais vendidos do The New York Times. Em tom confessional, a atriz de 69 anos, cujo nome verdadeiro é Lady Jayne Seymor Fonda, faz um balanço de sua trajetória – a adolescência problemática, o fato de ter se tornado símbolo sexual interpretando a heroína Barbarella, as causas pacifistas, a sua transformação em musa do fitness nos anos 80.

Jane (filha do ator Henry Fonda) brinda o leitor com os bastidores de produções como Klute, o passado condena (1971) e Amargo regresso (1978), títulos que lhe renderam o Oscar de melhor atriz. Os casamentos com o cineasta francês Roger Vadim, com o pacifista Tom Hayden e com o milionário Ted Turner também perpassam grande parte do livro. Destaque para Vadim (que a dirigiu em Barbarella), com quem viveu de 1965 a 1973. “Eu poderia escrever uma versão de meu casamento com Vadim na qual ele seria mostrado como cruel, misógino, um vagabundo irresponsável. Eu também poderia descrevê-lo como o mais charmoso dos homens, lírico e poético. As duas versões seriam verdadeiras”, escreve ela. Foi com Vadim que Jane Fonda menos soube dizer não a um homem – inclusive em relação às experiências sexuais. “Numa noite, ele voltou para casa com uma bela ruiva e a trouxe para a nossa cama comigo. (…) Eu segui as dicas dadas por ele e me atirei no ménage com a habilidade da atriz que sou. Se era isso o que ele queria, era isso que eu lhe daria. (…) Às vezes éramos três, às vezes mais. Às vezes era até eu quem pedia”, conta Jane. Já no campo profissional, as “habilidades” da grande atriz se mostravam às vezes insuficientes para segurar a barra. Além das bebedeiras de Vadim no set de Barbarella, Jane enfrentava uma difícil crise de identidade. “Lá estava eu, uma jovem que detestava seu corpo, sofria de uma terrível bulimia, sumariamente vestida, às vezes nua, interpretando uma heroína sexual (…)”

Mesmo nos tempos de engajamento político, o paradoxo entre o seu vigor físico e a sua enfermidade psiquiátrica (bulimia) persistiu. Foram 25 anos “se empanturrando de comida e vomitando”, escreve ela sem meias-palavras. A superação da doença acabou se dando e coincidiu com um momento de glória na vida de Jane, fora das telas de cinema e dos palanques políticos. Foi no começo dos anos 80, quando ela lançou o seu revolucionário método Workout de malhação, ensinando, com o seu próprio corpo, exercícios aeróbicos através de fitas de vídeo. “Uma vez, uma mulher deitou no chão de uma farmácia para perguntar se estava fazendo os exercícios pélvicos corretamente. Os maridos diziam: ‘Acordo com sua voz todas as manhãs, porque minha esposa faz sua aula na sala.’ Eu não sabia se agradecia ou me desculpava.” Com certeza, mulheres de todo o mundo e da mesma geração de Jane Fonda a agradecem. E os homens também. Basta olhar o rosto e o corpo da própria professora às vésperas de ela completar os seus 70 anos de idade.


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