Duas regras da natureza acabam de ser quebradas no campo da biologia. A primeira: espécies diferentes de borboletas dificilmente se acasalam. A segunda: quando esse raro fenômeno ocorre, a terceira espécie geneticamente híbrida, gerada do acasalamento, nasce estéril. Esse capricho da natureza foi checado e decifrado em laboratório por uma equipe de cientistas da Universidade dos Andes capitaneada pelo pesquisador colombiano Mauricio Linares. Ao longo de uma década, ele observou um tipo de borboleta silvestre com padrão amarelo e vermelho nas asas – cientificamente falando, trata-se do lepidóptero chamado Heliconius heurippa. A questão que o pesquisador tinha na cabeça referia-se à origem desse inseto e à sua cadeia evolutiva. “Eu desconfiava que era uma mistura de borboletas de espécies distintas (H. cydno com a H. melpomene)”, diz ele. “Mas, se de fato fosse isso, como esse fenômeno teria acontecido, já que tipos diferentes não têm como se reproduzir?” A dúvida era instigante. Ou, como a definiu Linares, “estávamos tentados a decifrar uma charada de Deus”.

Os pesquisadores confinaram em laboratório as duas espécies, em uma enorme proveta, para tentar o cruzamento. Um mês de espera, e nada. Dois meses, e nada. Antes do final do terceiro mês, elas acasalaram e confirmou-se, assim, que esses dois tipos distintos de borboleta promovem o seu cruzamento – e se o fazem confinadas, também devem fazê-lo em liberdade em seu habitat. Mais ainda: essa nova borboleta de proveta nasceu com capacidade reprodutiva. Ela é fértil, e isso também é uma grande novidade. Até hoje, a maioria dos animais gerados através de cruzamento com espécies diferentes somente resultou em animais estéreis. “O caso mais conhecido é o do cavalo que cruza com uma jumenta, dando origem à mula, que é estéril e não consegue ter descendentes”, diz o biólogo Marcelo Duarte, responsável pelo estudo da evolução de borboletas na Universidade de São Paulo.

“No caso da borboleta, ocorreu a exceção à regra”, diz Jesús Mavárez, do Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian, do Panamá. “Recriamos os passos evolucionários que podem ter dado origem à espécie H. heurippa.” Terminado o experimento, os cientistas decidiram testar as preferências sexuais da tal borboleta de proveta. Constatou-se que ela se interessa apenas por parceiros que tenham o mesmo padrão de coloração que o seu, não se sentindo atraída por borboletas que possuam somente a cor vermelha ou a amarela nas asas, como é o caso das espécies que a geraram. Esse “esnobismo” da borboletinha gerada em laboratório é bom para a natureza e, sobretudo, para ela própria: o seu isolamento reprodutivo poderá garantir a consolidação de uma nova espécie.