O presidente da Venezuela, Hugo Chávez Frías, classificou o ingresso oficial de seu país no Mercosul como um passo decisivo da América do Sul para a “libertação do imperialismo”. Somente por essa expressão que ele usou, dá para saber que vem muito barulho pela frente – e o Brasil não terá nada a ganhar com isso. No portentoso teatro Teresa Carreño, em Caracas, Chávez assegurou na terça-feira 4 que o ato significava “uma nova etapa da história venezuelana, e, por que não dizer, da América do Sul”, no caminho traçado pelos libertadores Simón Bolívar e San Martín. Discursos à parte, o ingresso da Venezuela como quinto sócio fará com que o bloco formado originalmente por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai passe a ter um PIB de US$ 1 trilhão, uma população de cerca de 250 milhões de habitantes e um comércio global de US$ 300 bilhões/ano. Só isso? Não. Terá o tal do barulho. Chávez é inimigo declarado dos EUA, o maior comprador do Mercosul. E mais da metade da exportação brasileira vai justamente para os EUA, ou seja, o novo parceiro venezuelano é ruim para nós. Mais: Chávez não honra contratos que assume, ao contrário, rasga-os. Mais moderado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu a “redução das assimetrias” no Mercosul, defendendo a melhoria do acesso do Paraguai e do Uruguai aos mercados do Brasil e da Argentina.

Enquanto Lula falava, Chávez agia. Na própria cerimônia de adesão de seu país ao bloco do Cone Sul, o presidente venezuelano anunciou que Caracas comprará US$ 100 milhões de bônus da dívida do Paraguai com a hidrelétrica Itaipu, a binacional que o país divide com o Brasil. Dias antes, o presidente paraguaio, Nicanor Duarte Frutos, fizera pesadas acusações contra Brasil e Argentina, dizendo que o Mercosul condenava o protecionismo dos EUA e da Europa, mas o reproduzia com seus sócios menores. Na mesma oportunidade, o presidente Néstor Kirchner também mostrou que não estava em Caracas só para o blablablá diplomático e anunciou que a Argentina e a Venezuela em breve lançarão no mercado financeiro um título público binacional, batizado de “Bono der Sur” (bônus do Sul). Uma das versões desse bônus consistiria em um título argentino com garantia dos petrodólares venezuelanos.

Somada à alta dos preços de petróleo (120% desde 2003), a adesão da Venezuela ao Mercosul potencializa a influência de Chávez no subcontinente sul-americano. Os excedentes petrolíferos (a Venezuela é o quarto maior produtor mundial) já propiciaram ao governo de Caracas investimentos no valor de US$ 6,2 bilhões na região, em países como Argentina, Bolívia, Colômbia, Uruguai e até o Brasil. Da Argentina, Chávez comprou US$ 2,5 bilhões em bônus da dívida pública em maio de 2005 e mais US$ 239 milhões este ano. Na Bolívia, o venezuelano já injetou US$ 100 milhões em infra-estrutura e outros US$ 30 milhões na área social. Chávez ainda tem projetos com o Brasil e a Argentina, como a Petrosur e o Gasoduto do Sul – este último estimado em US$ 20 bilhões.

Muitos analistas acreditam que, para o governo Lula, Chávez tornou-se a um só tempo um sócio desejado e temido. Desejado pelos motivos óbvios, temido pela possibilidade de usar o Mercosul para consolidar sua liderança regional, errática e de confronto permanente com os EUA. Para o jornal venezuelano El Nacional, “o presidente Lula e alguns de seus colaboradores defendem que é melhor manter Chávez por perto para controlar seus eventuais destemperos”. Outros analistas acreditam que o ingresso da Venezuela no Mercosul altera a relação de forças no bloco a favor da Argentina. “A entrada da Venezuela, da forma como ocorreu, já é um reflexo de que a liderança do Brasil está combalida. Era de interesse de Kirchner, que está sendo financiado por Chávez, que isso ocorresse logo”, diz o consultor de relações internacionais Mario Marconini.

US$ 6,2 bilhões foi quanto Chávez já gastou em vários projetos em países da América do Sul