Crise política, CPI, ameaça de impeachement, mensalão, corrupção vertendo por todos os lados. Os assuntos, como em qualquer outro lugar do País, estão nos botecos, padarias, esquinas e, sobretudo, nas portas das fábricas. As mesmas fábricas de onde emergiram Luiz Inácio da Silva e o Partido dos Trabalhadores. São Bernardo do Campo acompanha o atual momento político do País com apreensão. Mas o berço da moderna indústria automobilística nacional parece disposto a lutar para não deixar morrer a esperança em seu mais ilustre filho. Entre os metalúrgicos, a chamada peãozada, o meio que forjou o material de que Lula foi feito, não é tão fácil encontrar alguém que critique abertamente o companheiro-presidente. Pelo contrário. Solidariedade, compreensão e carinho são sentimentos comuns entre os que operam as pesadas engrenagens das linhas de montagem.

Na eleição de 2002, Lula obteve uma expressiva votação na cidade onde viveu desde o início dos anos 70 até a mudança para o Palácio do Planalto. No segundo turno de 2002, 266.400 são-bernardenses, de nascimento ou adoção, quiseram ver Lula-lá em Brasília. Um porcentual de 68,6% dos votos válidos. O derrotado José Serra obteve 121.927 votos. Muito dessa vitória Lula deve à turma da graxa e do macacão. Se bem que, hoje, macacão sujo de graxa é coisa rara naquelas bandas. A segunda revolução industrial, a tecnológica, promoveu uma mutação no perfil da categoria. O ABC do segundo milênio foi dominado por uma moçada que pouco lembra os companheiros de Lula do início dos anos 80. Em sua grande maioria, são jovens antenados, que usam roupas de grife e freqüentam bons colégios e faculdades. O montador Rafael Leme, 23 anos, é um dos novos garotos do ABC. Jeito de bom menino, bem-formado, pele alva e louros cabelos, ele lembra um sueco, não por acaso a terra da Scania, montadora onde trabalha. Porém, quando o assunto é a defesa do presidente, Rafael assume a postura de piqueteiro de porta de fábrica em dia de greve. “O Lula é o menor culpado disso tudo. O problema está nas alianças feitas com as pessoas erradas”, diz o jovem. Apesar da turbulência, o metalúrgico confia na recuperação do companheiro. “A bomba estourou na hora certa. Ainda há tempo para corrigir a rota e voltar aos trilhos.”

O mecânico da Volkswagen Wilson Carlos Cardoso, 44 anos, 20 de profissão e cinco greves no currículo, demonstra que, pelo menos no apoio ao peão-presidente, não existe conflito de gerações. “Eleitor incondicional do PT”, Wilson bota fé na redenção de Lula. Dono de um figurino e uma postura retrô-sindicalista do final dos anos 70, o barbudinho diz não ter sido pego de surpresa pelo vendaval que ameaça varrer o companheiro do Planalto. “Já esperava por isso. A reeleição está chegando e a elite quer recolocar um representante dela lá. Por isso estão tentando comer o Lula pelas beiradas”, afirma. Usando de equilíbrio, artigo raro nestes tempos bicudos, Wilson acredita que no torno do poder é natural a perda de alguns dedos, clara analogia ao acidente sofrido por Lula em seus tempos de peão e metáfora para a saída do ministro José Dirceu da Casa Civil. Pensamento semelhante tem seu colega, o montador da Volks Antônio Nascimento Melo, 44 anos. Petista de primeira hora, nas eleições de 2002 Melo deixou de votar pela primeira vez no companheiro. O motivo é justamente um dos fatores apontados para o atual caos governista. “Fui contra a política de alianças com a direita”, afirma. Curiosamente, no pior momento da administração Lula o operário afirma, convicto, que votará com orgulho para a reeleição. “O governo tem sido bom. O presidente fez grandes contratos de exportação. Graças a eles, muitos empregos foram gerados no País”, diz o metalúrgico que sonha ser arquiteto.

Os neopeões Wellington Martins da Silva, Marcelo Machado del Franco e Glauco Fernandez, todos com 20 anos, são a prova das palavras de Melo. O trio faz
parte da leva de dois mil novos contratados pela Mercedes-Benz desde a posse
de Lula. O boom de vagas é fruto do aumento das exportações de caminhões
para os Estados Unidos e a Europa. Eles creditam o fato à política externa do governo. Porém, apesar da felicidade com os empregos e da confiança na honestidade do presidente, eles querem que as denúncias sejam apuradas com rigor. “A gente está meio preocupado. Votamos no cara meio no desespero, para ver se mudava alguma coisa. Mas torço para que tudo acabe bem”, diz Glauco.
Ele e todos os peões de Lula.