O poder muda as pessoas. A
perda dele também. De figurão
poderoso e inacessível do quarto
andar do Planalto – onde reinou
durante dois anos e meio na Casa
Civil – a figurinha fácil na salinha do café, atrás do plenário da Câmara,
José Dirceu de Oliveira e Silva, 59 anos, parece outra pessoa. “Eu desencarno rápido. Descobri que sou dois: eu e o personagem Zé Dirceu”, comentava o ex-ministro a um grupinho de jornalistas que passavam pelo cafezinho na terça-feira 28. Do Executivo para o Legislativo é um pulinho: um prédio fica na frente do outro. Basta apenas atravessar uma avenida. Mas no caso de Dirceu – ou “Zé” como o tratam os íntimos – esse pulo significou uma queda estrondosa. “A política brasileira é muito dura, muito difícil”, desabafou o ex-líder estudantil que aterrorizou os militares na ditadura e, depois de preso, acabou sendo um dos prisioneiros políticos trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick, seqüestrado em 1969 por guerrilheiros urbanos. “Vocês nem podem imaginar o sofrimento. O meu e o dos outros”, confidenciou Dirceu, referindo-se aos companheiros de partido que também foram alvejados pela língua ferina de Roberto Jefferson, com suas denúncias sobre o chamado “mensalão”: o tesoureiro Delúbio Soares, o secretário-geral Sílvio Pereira, e o presidente nacional do PT, José Genoino.

Ao anunciar, às 18h do dia 16, que desceria de uma vez por todas a rampa
do Planalto, Dirceu – que já havia conseguido sobreviver ao primeiro escândalo
do governo Lula, há um ano e quatro meses, com a demissão de seu então assessor Waldomiro Diniz – jurou continuar lutando na planície também. Prometeu percorrer o Brasil e mobilizar os militantes do seu PT. Mas está difícil para Dirceu cumprir a missão a que se impôs. Ele saiu do Planalto sangrando muito. A sua
volta ao Congresso, na quarta-feira 22, foi a demonstração de que terá muito
trabalho pela frente: teve até socos no plenário. “Ele corre o risco de ser cassado
e sabe disso. Há muita gente aqui que não gosta dele por causa de sua postura inacessível e arrogante enquanto exerceu o poder”, conta um parlamentar petista. Além disso, deve ser o principal alvo da CPI dos Bingos, instalada na quarta-feira 29, que vai investigar Waldomiro.

No ringue de São Paulo, o presidente licenciado do PT também está em situação delicada. Na sede petista, ele ganhou a aura de todo-poderoso dentro do partido desde que assumiu a sua presidência há dez anos. Depois de ter passado o rolo compressor nas tendências xiitas do PT, Dirceu volta, sangrando, ao palco da militância a três meses da realização da segunda eleição direta para a direção do partido. Genoino é seu candidato a presidente, por ser do chamado campo majoritário do PT, a junção das tendências moderadas que dominam 60% da direção nacional. São sete candidatos, mas entre os nomes incluídos na chapa de Genoino estão Delúbio e Silvinho. Na última reunião do Diretório Nacional, no domingo 18, o PT decidiu encampar a defesa dos dois e não os afastou dos cargos, apesar da posição contrária dos petistas que estão no governo. Mas, com o acirramento das denúncias, petistas de peso continuam tentando convencer os dois a se afastarem até para poderem se defender da enxurrada de acusações.

O clima no PT está tão ruim e a depressão tão profunda que cresce internamente um movimento para adiar essas eleições. Os homens de Dirceu, que ocupam a Executiva Nacional hoje – burocratas como Delúbio e Silvinho – deverão ser afastados antes das eleições para ceder lugar a parlamentares com boa visibilidade pública: uma tentativa de salvar a imagem do partido. “Delúbio e Silvinho estão no olho do furacão. O mais correto é que eles se afastem e não conduzam o processo de eleição no PT, até para que possam se defender das ilações desferidas por Jefferson”, opinou o deputado federal Walter Pinheiro (PT-BA), da corrente esquerdista Democracia Socialista, que apóia a candidatura do ex-prefeito de Porto Alegre Raul Pont e contra qualquer adiamento da eleição.

Diz o trecho final do jingle dos 25 anos do PT, completados em fevereiro: “A estrela no peito. A história na mão.” Dirceu sangra com a estrela fincada em seu peito – no dia em que anunciou que sairia da Casa Civil ostentava a estrelinha dourada na lapela. Um dos discursos mais famosos de seu amigo Fidel Castro virou até livro: A história me absolverá. Dirceu sonha com isso. Tudo depende das investigações. Mas até agora a história tem lhe escapado das mãos.