Aos trancos e barrancos, o governo começou na semana passada a
faxina que a sociedade exige. O presidente Lula demitiu na
quinta-feira 30 três dos cinco
diretores de Furnas, horas depois
de seus nomes serem citados no jornal Folha de S.Paulo em mais uma entrevista do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), o homem que detonou o escândalo do mensalão. Jefferson denunciou um caixa de R$ 3 milhões em Furnas, repartido entre o PT nacional, o PT de Minas Gerais, a cúpula da estatal e um grupo de deputados. Como sempre, sem provas. Reafirmou o novo ataque no depoimento de sete horas que prestou à CPI dos Correios, em que apareceu ostentando um intrigante hematoma abaixo do olho esquerdo que exigia cuidados freqüentes de uma enfermeira, encarregada de renovar o curativo. Poderia ser uma dura reação de algum mensalista, mas o deputado justificou o ferimento como produto de um mero acidente doméstico, ante o qual se colocou mais uma vez como vítima: um armário de CDs teria caído sobre ele. Acima das disputas políticas entre governo e oposição, a CPI começou a encontrar o seu caminho. Na quarta-feira 29, o primeiro personagem a ter os seus sigilos bancário, telefônico e fiscal quebrados foi o empresário Arthur Washeck, financiador do grampo que pegou o funcionário dos Correios Maurício Marinho embolsando uma propina de R$ 3 mil. No dia seguinte, foi a vez de o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza ter seus sigilos quebrados.

Nova pista – Na CPI, Jefferson, em uma nova versão de si mesmo, disse que o esquema do mensalão continuava “até recentemente”, mesmo depois de tê-lo denunciado ao presidente Lula. E deu uma nova pista da propina, apontando o local em Brasília onde ela seria paga, sem o leva-e-traz de malas de dinheiro: direto no nono andar do Shopping Brasília, no qual funciona a agência brasiliense do Banco Rural – do outro lado da avenida onde, ironicamente, se situa a sede nacional do PT, freqüentada pelo ex-ministro José Dirceu, o presidente do partido, José Genoino, o tesoureiro Delúbio Soares, o secretário-geral Sílvio Pereira, entre outros nomes envolvidos no escândalo. O registro da portaria do shopping mostra que, às 14h57 do dia 19 de agosto de 2003, o publicitário passou pela portaria do prédio. No mesmo dia, os registros do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) mostram uma retirada de R$ 150 mil da conta da DNA Propaganda, uma das empresas de Valério.

Flagrante – Outra coincidência na trilha das investigações: no dia 20 de janeiro de 2004, às 15h22, o assessor parlamentar do deputado José Janene (líder do PP), João Cláudio Carvalho Genu, bateu ponto no banco. Janene e Genu foram identificados por Jefferson como o operador e o homem-mala do mensalão no PP. Tem mais: o chefe de gabinete do deputado João Leão (PL-BA), Eujaci Moreira dos Santos, também visitou a agência do shopping às 11h18 do dia 15 de dezembro de 2003. Jefferson falou muito, mas também teve de ouvir. Na CPI dos Correios, o deputado José Eduardo Cardoso (PT-SP) foi cortante: “O sr. ataca tudo e todos, mas não lembra que defendeu, como líder da tropa de choque, o governo mais corrupto da história da República”, acusou, lembrando a curta Presidência de Fernando Collor e o Delúbio da época, PC Farias. O autor da gravação nos Correios, Joel Santos Filho, contou na CPI que a propina de R$ 3 mil era um “adiantamento” de R$ 15 mil prometidos a Maurício Marinho para beneficiar sua suposta empresa em licitações na estatal. O consultor Arlindo Molina, acusado de chantagista por Jefferson, negou qualquer achaque e disse que a gravação queria apenas detonar Marinho, tirando-o de seu cargo. Apontado como um dos caciques do mensalão, o deputado Pedro Henry (PP-MT) negou tudo, mostrando com gráficos que o PTB de Jefferson era mais canino em sua lealdade do que o PP de Janene.

A testemunha-chave do mensalão,
Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária
de Valério, estreou em Brasília com ar de
pop star. Começou pela Comissão de Ética, na qual confirmou a essência de sua entrevista a ISTOÉDinheiro, com detalhes pitorescos sobre a dinheirama. Ao falar
sobre as viagens a Brasília de Simone Vasconcelos, gerente financeira de Valério, Karina brincou: “Simone diz que ficava em um hotel contando dinheiro, num entra-e-sai de homens. Ela diz que ficava cansada de tanto contar dinheiro.” Uma varredura nas viagens registradas na agenda de Karina mostra uma incômoda coincidência com os saques do publicitário, na véspera de algumas viagens a Brasília. Entre maio e dezembro de 2003, a agenda revela uma viagem semanal de Valério à capital, totalizando 31 aterrissagens no centro do poder. Em pelo menos sete delas, num espaço de 90 dias, as jornadas brasilienses coincidem com saques no total de R$ 2 milhões, em espécie, da conta da SMP&B no Banco Rural, horas antes do embarque. Valério também percorreu a capital gastando oito horas num longo depoimento à Polícia Federal e algumas horas mais na Comissão de Sindicância da Corregedoria da Câmara. Lá, deixou documentos que comprovariam sua ausência de Brasília nas datas que Jefferson apontou como dias de pagamento dos R$ 4 milhões prometidos ao PTB pelo PT.

Jantar – Na faxina geral, o líder do PTB, José Múcio Monteiro (PE), ajudou a espanar a verdade. Confirmou o pagamento dos R$ 4 milhões pelo PT, e ainda acrescentou: em uma reunião com os tesoureiros do PT, Delúbio Soares, e do PTB, Emerson Palmieri, além de Jefferson e do presidente do PT, José Genoino, o então presidente do PTB ainda cobrou mais R$ 4 milhões. Foi um agradável jantar no apartamento de Jefferson, enfeitado por conversas sobre ópera, guerrilha, Araguaia e, como sobremesa, a cobrança da dívida. Múcio ainda complicou seu colega de partido, ao dizer que os prefeitos petebistas não viram a cor do dinheiro entregue a Jefferson. No seu depoimento à CPI, o ex-presidente do PTB contou que foi procurado por Valério com um pedido: ajudar para que o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) transferisse US$ 600 milhões de uma conta de um banco no Exterior para outra no Banco Espírito Santo, em Portugal. Uma vassourada na contabilidade do IRB pode esclarecer, mais adiante, se Jefferson diz ou não a verdade.

O operador do mensalão, deputado José Janene, viu despencar seu patrimônio no abismo, na quinta-feira: por decisão do juiz Abelar Baptista Pereira Filho, da 6ª Vara Cível de Londrina (PR), os bens do líder do PP e de outros 19 réus foram bloqueados por licitações fraudulentas na gestão do ex-prefeito Antônio Belinatti, cassado em 2000. O Ministério Público do Paraná pede a devolução de módicos R$ 142 mil – insuficientes para pagar o mensalão de uns cinco deputados. Dia após dia, emparedado na política e acuado na Justiça, Janene começa a fraquejar. Alertado pelos amigos, importou de Londrina para Brasília a mulher, Fernanda Stael, temeroso que ela pudesse ser presa numa operação de surpresa da Polícia Federal. Para não deixar dúvida, dias atrás apontou o dedo para a cara de uma estrela petista, no Congresso, e rosnou: “Vocês estão me deixando no sal, sozinho. Se eu for para o sacrifício, vou abrir o bico.” Era só o que faltava para a faxina geral em Brasília.

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