13/02/2008 - 10:00
Quando o tema é aquecimento global, Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, é o segundo cientista mais citado no mundo nos últimos dez anos, de acordo com o Science Citation Index. O levantamento, feito por meio de referências em revistas na área, revela a importância científica de suas pesquisas na Amazônia, onde desembarcou em 1976. Formado em biologia pela Universidade do Colorado e Ph.D. em ecologia pela Universidade de Michigan, aos 57 anos Fearnside comanda uma equipe que mapeia os serviços ambientais prestados pela floresta. Sua proposta é ousada e radical: ele sugere que os países do mundo paguem pelos benefícios ecológicos que a floresta traz, como organismo que regula o fluxo de chuvas, a temperatura e evita o agravamento do efeito estufa. Para Fearnside, o ressarcimento material por esses benefícios produzidos pela floresta garantiria a qualidade de vida da sua população, mantendo preservada a Amazônia.
Ele critica as medidas anunciadas pelo governo, como a suspensão de autorizações para desmatamento em 36 municípios da Amazônia, e diz que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) poderá ser ainda mais prejudicial para a conservação da região. Pessimista em relação à influência do aquecimento global, Fearnside estima que até 2080 poderá ocorrer o fim da floresta.
São vários fatores. Um deles foi a estiagem entre os meses de agosto e novembro do ano passado. Geralmente esse período é de chuvas na Amazônia. Também contribuiu para o desmatamento a alta do preço de alguns produtos, como carne e soja. Não só internacionalmente, mas também no mercado interno. Está havendo uma migração de pecuária de outras partes do Brasil para a Amazônia.
Está saindo de Estados como São Paulo e Rio Grande do Sul em direção à Amazônia. Inclusive, a conversão de pastagem em cana para biocombustível nesses Estados também vai aumentar o fluxo para a Amazônia. É importante absorver esse recado e tomar as medidas necessárias. Foi bom o governo ter assumido que houve o aumento do desmatamento. Agora precisa tomar medidas para evitar mais derrubadas de árvores na Amazônia.
Em Mato Grosso, a soja foi fator sim de desmatamento. Não dá para dizer que nada tem a ver com a soja. O ministro está falando uma coisa que não se aplica à realidade aqui na Amazônia. São vários os problemas, não um só. E o governo precisa enfrentar todos eles.
É necessário muito mais do que foi anunciado. Não é tão fácil baixar um decreto assim. Muita gente continua desmatando. Inclusive, em alguns desses municípios, sobretudo no sul do Pará e no noroeste de Mato Grosso, acontece muito desmatamento fora do controle do governo. É muito precária a fiscalização que é feita através de campanas e blitze intensivas. O alvo do governo é diminuir o desmatamento até julho deste ano. Mas é um objetivo muito limitado. São necessárias também medidas de longo prazo.
Por exemplo, há uma decisão do governo de construir estradas que passam pela região. Isso vai provocar um desmatamento muito grande. O PAC foi anunciado sem nenhum estudo prévio, sem nenhuma análise da área que irá ser desmatada.
Exato. A BR-319 não tem EIA-Rima. Hoje, 80% do desmatamento é concentrado na periferia da floresta. Lado sul e leste. Mas, se forem concluídas essas estradas, o centro e o norte da Amazônia ficarão expostos para o problema do desmatamento.
Acho que o princípio para todas as decisões é analisar os impactos e os benefícios antes de tomar a decisão.
Sem dúvida o PAC ajuda a desmatar. Quando abrirem a BR-319, vai ampliar o quadro do desmatamento. E vão invadir áreas que hoje estão intactas. E não é só a BR-319. Também está prevista no PAC toda uma rede de estradas laterais ao longo dos rios Madeira e Purus, que abrirá todo aquele bloco de floresta intacta no oeste do Estado do Amazonas. Isso muda a geografia do desmatamento. É muito importante que isso seja repensado.
Podem causar problemas. O mais importante é o impacto sobre algumas espécies de animais que não foi pesado pelo governo. Um é que vai bloquear a migração de peixes. São 31 mil toneladas de bagres. Os grandes bagres sobem o rio Madeira e vão se reproduzir na cabeceira dos afluentes, no Peru e na Bolívia. Depois, descem a correnteza e povoam o Madeira e o Amazonas. O rio Madeira é um dos rios mais piscosos da Amazônia. É uma perda irrecuperável. Mesmo fazendo passagens para peixes, já se sabe que não funciona para estas espécies, que são muito diferentes do salmão e das carpas. As hidrelétricas vão inundar também a Bolívia. A segunda barragem, de Jirau, vai justamente até Abunã, na divisa com a Bolívia. Durante a época de cheia, a água estará mais ou menos no mesmo nível de hoje. Mas no resto do ano o nível continuará alto, não vai descer, como é o ciclo natural, inclusive na parte da Bolívia. Isto vai causar problemas, porque o rio Madeira é um dos rios com mais sedimentos do mundo. Metade de todo sedimento do rio Amazonas vem do rio Madeira. Os sedimentos vão formar uma segunda barreira, na entrada do lago, aumentando a área submersa. Metade desta inundação vai ficar dentro da Bolívia.
Ninguém falou que não deva existir atividade econômica na Amazônia. Mas temos alternativas. Por exemplo, faço parte de uma equipe que mapeia e monitora os serviços ambientais prestados pela floresta. Não tenho dúvida em dizer que o melhor caminho para conter o corte de árvores é transformar esses serviços em ganhos econômicos.
Um dos grandes papéis da floresta é regular o clima do planeta. A biodiversidade também é importante. O que tem mais perspectiva de virar no curto e médio prazo uma fonte de renda que poderia substituir a destruição da floresta como base da economia é o efeito estufa.
Precisa força diplomática para conseguir esse valor, que hoje está sendo dado de graça para o mundo. A Amazônia hoje vive da destruição da floresta. Corta, vende madeira, coloca gado, etc. É preciso mudar e basear a economia na manutenção da floresta e conseguir um fluxo financeiro a partir do valor ambiental da floresta em pé para manter a população.
Eduardo Braga fez muitas coisas positivas. Criou uma área recorde de reservas naturais e, de fato, estabeleceu esses mecanismos de apoio aos pequenos agricultores. Ele apóia a comercialização de créditos de carbono. Mas, como todos os políticos do Estado, defende a BR-319, que vai aumentar o desmatamento.
Sem dúvida. A floresta lança grandes quantidades de gases de efeito estufa que vão contribuindo para o aquecimento global e têm impacto no mundo inteiro. Também têm um efeito sobre o ciclo da água que afeta o transporte de água até em São Paulo e em países da América do Sul. Ainda não temos cálculos sobre o que se perdeu de água com o desmatamento. O que dá para medir agora é a parte de emissão de gases, que pode acelerar a derrocada da floresta.
É um ciclo vicioso. O efeito estufa e o desmatamento se auto-alimentam. Na medida em que a floresta vai morrendo, são liberados gás carbônico e outros gases que irão contribuir para um aumento médio de temperatura maior que a média global e uma redução no volume de chuvas. Com o aumento da temperatura, cada árvore precisa de mais água para sobreviver e, justamente aí, há menos chuvas. Com isso, a estiagem fica mais longa e as árvores ficam numa situação de fragilidade, propiciando a ocorrência de incêndios florestais. Os incêndios podem até não matar toda a floresta, mas eles esquentam a base do tronco de cada árvore, o que acaba provocando a morte delas, sobretudo as maiores, que são mais sensíveis. Aí acontece um outro ciclo vicioso. Toda vez que ocorre um incêndio, muita madeira morta fica lá solta no meio da floresta, o que faz com que o incêndio subseqüente tenha maiores proporções, e assim sucessivamente.
Temos que estar preparados para isso. Aumentos de temperatura nas águas do Pacífico criam efeitos semelhantes aos do El Niño. Sempre que ele ocorre, você tem seca e incêndios na Amazônia. Foi o que aconteceu em 1982, 1997 e 2003. Lembra quando morreram 40 mil pessoas na Europa com a onda de calor em 2003? Então, ao mesmo tempo, em Roraima, eram registrados grandes incêndios. Também é possível que a floresta acabe antes de 2080. Mas esse estudo desenvolvido no Reino Unido acaba sendo otimista porque só inclui a possibilidade de a floresta secar e as árvores morrerem sem água. Não inclui incêndios, que podem destruir grandes áreas de floresta, o desmatamento direto, nem a questão do ciclo da água.
É verdade. Por exemplo, uma de suas conseqüências – o desaparecimento da Floresta Amazônica – seria terrível para o Brasil. Só isso coloca o Brasil entre os mais afetados. Afeta a sustentação da população amazônica, o ciclo da água, o Nordeste, que vai ficar mais árido. Enfim, o quadro é péssimo para o País. Normal é pensar que o efeito estufa atinge mais a Europa e os Estados Unidos, mas não é verdade. A Amazônia afeta a vazão do rio São Francisco, importante para o Nordeste. O volume de água transportado para fora da região amazônica é enorme e boa parte deságua no Centro-Sul do Brasil. Boa parte da população brasileira vive no litoral e o aumento do nível do mar terá um impacto muito grande também.
Esse discurso é sempre usado para justificar as coisas danosas à floresta. Com isso, as pessoas acabam recusando ajuda e descartando tudo o que é dito por ONGs internacionais. Acho que isso gera um efeito negativo em termos de conservação. Acaba por neutralizar a discussão sobre o impacto do desmatamento.