Sem medo de punições internas,o senador diz que o PT não deveabandonar a ética, mas acha queLula ainda pode limpar a imagem

Há flores em meio à lama. São raras, mas o senador Eduardo Suplicy é uma delas. Uma espécie em extinção no arenoso jardim da política brasileira: um político respeitado e admirado. É tido como esquisitão, ou “estranho”. O senador é extremamente tudo: lento ao falar, desengonçado ao andar, educado e sereno com todas as pessoas, cheio de manias, como citar Dalai Lama ou cantar Blowing in the wind, de Bob Dylan, que pode ser traduzido como “soprando no vento”. Mas, para felicidade geral da Nação, ele também é extremamente teimoso. É conhecido por recitar como um mantra o seu projeto de Renda Mínima (sancionado pelo presidente Lula em 2004). Mas, ao bater o pé na defesa intransigente da ética e das apurações das denúncias dos Correios e do mensalão, Suplicy irritou boa parte dos dirigentes petistas e integrantes do governo Lula. “É muito mais dos campeões do impossível do que dos escravos do possível que a humanidade deve a sua evolução”, escreve na dedicatória de seu livro Renda de cidadania: a saída pela porta, que distribui aos amigos. Num momento em que os políticos se escondem de vergonha, o teimoso Suplicy faz uma plenária com eleitores no domingo 26, no Teatro Oficina, em São Paulo, para avaliar os seus dois mandatos no Senado. “Deve o PT lançar Eduardo Suplicy como candidato ao Senado em 2006?”, é a pergunta que faz no bate-papo. Depois da conturbada separação da ex-prefeita Marta Suplicy, ele diz que está feliz ao lado da namorada, a jornalista Mônica Dallari. Na terça-feira 21, quando completou 64 anos, concedeu uma entrevista a ISTOÉ – que começou no avião entre São Paulo e Brasília e continuou em seu gabinete no Senado.

ISTOÉ – O que achou da indicação de Dilma Roussef para a Casa Civil?
Eduardo Suplicy

Ela se sobressaiu no governo como uma pessoa de opiniões muito fortes, tanto no seu campo de especialidades, minas e energia, como do
ponto de vista dos princípios administrativos e políticos. Ela se recusou a fazer nomeações com características políticas. Eu acredito que, ao designá-la, o presidente Lula esteja apontando para uma grande transformação diante do terremoto que aconteceu no último mês.

ISTOÉ – Como o sr. viu a postura do governo Lula de ter resistido à criação da CPI para apurar as denúncias?
Eduardo Suplicy

Eu vou contar um episódio que tem a ver com toda essa história e que aconteceu em 1979, na Assembléia Legislativa de São Paulo, quando eu era deputado pelo extinto MDB. Foi quando soube pela primeira vez de métodos de persuasão de parlamentares. O governador de São Paulo de então (Paulo Maluf) procurava persuadir os deputados, inclusive do MDB, a votar em seu candidato a prefeito da capital (na época era eleição indireta), Reinaldo de Barros. As tentativas de persuasão eram das mais variadas formas, como empréstimos aos parlamentares junto à Caixa Econômica Estadual e ao Banespa. Até um contraparente meu me telefonou para pedir voto no Reinaldo de Barros. Insinuava que eu receberia cargos ou poderia nomear pessoas na administração. Fiquei indignado e fui contar esses fatos aos líderes do MDB, como Ulysses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso e Alberto Goldman. Queria ir à tribuna denunciar, mas o Ulysses me disse que não adiantava mais. Argumentaram: “Não faça isso, Eduardo, porque vai quebrar a unidade do partido.”

ISTOÉ – Uma situação semelhante ao que o sr. viveu nesse momento…
Eduardo Suplicy

Mas aí decidi ir aos meus amigos do Sindicato dos Metalúrgicos, inclusive o Lula, que o presidia, e perguntei o que eles achavam que eu devia fazer. “Nós o elegemos para que você diga essas coisas que acontecem na Assembléia Legislativa”, disseram. Fui à tribuna e falei tudo. Causou o maior qüiproquó no partido. No dia seguinte um jornal publicou a manchete: “Deputado denuncia tio”, uma referência àquele meu contraparente. Um dos deputados veio me recriminar: “Viu o que você fez? Estão dizendo no cafezinho que você está quebrando a unidade da família.” Aquilo era algo que feria a minha dignidade e resolvi revelá-lo. Eu aprendi com Lula a ser crítico com relação a essas práticas. O povo tem o direito de saber esses fatos.

ISTOÉ – Por que o sr. resolveu realizar a plenária com militantes? Há perigo de o PT o punir não dando a legenda para sua candidatura ao Senado no ano que vem?
Eduardo Suplicy

A direção do partido já me assegurou que vou ter a legenda. Resolvi manter a plenária para fazer um balanço do meu mandato. Mas desde 2003 e até uns meses atrás havia notícias nos jornais com informações de que o PT
não me daria a legenda em 2006.

ISTOÉ – Por quê?
Eduardo Suplicy

Primeiro porque eu não tinha apoiado a expulsão do partido da senadora Heloísa Helena (hoje do PSOL). Depois porque eu tinha sugerido ao então ministro José Dirceu que viesse ao Senado esclarecer os fatos acerca do caso Waldomiro Diniz. Eu tinha certeza que era o melhor para ele e para o partido. Ele teria saído respeitado e fortalecido. Recentemente, Dirceu falou em duas ocasiões que talvez devesse ter ouvido as minhas recomendações. A defesa da ética foi uma das características que me levaram para o PT. Tomei uma decisão de vida. Mesmo
que o partido resolvesse não me deixar ser candidato ao Senado em 2006, eu continuaria no PT.

ISTOÉ – O sr. assinou o requerimento em apoio à CPI dos Correios, há algumas semanas, quando o governo e o PT ainda não tinham dado o braço a torcer. Sofreu represálias?
Eduardo Suplicy

Há um mês e meio, na reunião do Campo Majoritário (grupo de dirigentes das alas moderadas), o Delúbio Soares me perguntou se eu aceitaria compor a chapa que lançará a candidatura de Genoino à presidência do partido na eleição
de setembro. Aceitei porque voto no Genoino. Dirceu ameaçou os deputados do PT que assinaram o requerimento da CPI de não ter a legenda na eleição. Quanto a mim, ele disse que eu era assim mesmo, estranho. Depois, o Delúbio me chamou na sede do PT em Brasília e disse: “Eduardo, queremos dizer que a coordenação do Campo Majoritário decidiu que, já que você assinou o requerimento da CPI, não dá mais para o seu nome constar da chapa.” Eu estava convencido de que o PT deveria ter tomado a iniciativa de pedir a CPI: seria o melhor para o presidente Lula e para o próprio partido.

ISTOÉ – O que o sr. achou de ter sido chamado de ?estranho? por Dirceu ?
Eduardo Suplicy

Eu lembrei que o José Dirceu foi coordenador
de minhas campanhas no PT. Em 1985, na disputa
para prefeito de São Paulo, o meu mote era “Experimente o Suplicy. É diferente de tudo que está aí”. Em 1988, quando me elegi vereador e fui presidente da Câmara Municipal, meu lema foi: “Pintou limpeza.” Olhei no dicionário o significado da palavra “estranho”: é uma pessoa diferente, que não é normal. Então, a observação de Dirceu foi coerente com a minha pessoa e com as minhas campanhas.

ISTOÉ – Sua relação com o presidente Lula ficou abalada com tudo isso?
Eduardo Suplicy

Ele continua meu amigo. Uma amizade que começou em 1975, quando ele assumiu a
presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Logo após o discurso do presidente no Fórum Global contra a Corrupção, no início deste mês, quando ele disse que cortaria na própria carne, me dirigi a ele. Foi a primeira vez que estive com ele depois de ter assinado a CPI. Disse a ele: “Quando resolvi assinar, fiz pensando em seu bem e no do PT.” Ele foi amável e respeitoso e me disse: “Eduardo, tudo agora vai se ajeitar.” O presidente me compreendeu muito bem.

ISTOÉ – O sr. é uma voz isolada no PT?
Eduardo Suplicy

Em vários episódios me senti isolado com relação à cúpula do partido, mas não com relação à militância, na qual encontro enorme respeito e apoio. Por exemplo, há duas semanas fui a uma palestra em Franca (SP) e em São Joaquim da Barra (SP) com dirigentes locais e militantes do PT. Um total de 200 pessoas nos dois lugares. Perguntei o que acharam da minha atitude de ter assinado a CPI e 75% foram a favor. Quanto aos e-mails, 95% a favor.

ISTOÉ – O sr. acha que o tesoureiro, Delúbio Soares, e o secretário-geral, Sílvio Pereira, deveriam ter se afastado de seus cargos no PT?
Eduardo Suplicy

Os dois asseguraram na reunião do Diretório Nacional do PT (no sábado 18) que tudo o que fizeram foi legal. Afiançaram que não há nenhuma responsabilidade do PT nesse suposto mensalão, se é que ele existe. Antes da reunião do diretório eu havia dito aos dois que considerava melhor eles se afastarem para poder se dedicar à sua defesa. Não acho que isso significaria um sinal de que eles teriam cometido alguma irregularidade. Mas fui contra a idéia de votar no diretório o afastamento deles porque acho que essa deveria ser uma decisão deles. Eles tomaram a decisão de ficar. Ontem (segunda-feira 20) tive uma conversa com o Silvinho e ele se dispôs a explicar todos os fatos para a bancada do PT na Câmara e no Senado. O Delúbio também.

ISTOÉ – É cada vez maior a falta de credibilidade dos políticos junto à sociedade. Isso não assusta?
Eduardo Suplicy

Sinto isso, mas não com relação à minha pessoa. Ontem de manhã fui ao Parque do Ibirapuera com a Mônica e dezenas de pessoas me pararam para manifestar apoio. Minha analista gosta muito que eu conte meus sonhos. Na noite de quinta-feira 16 para sexta-feira, no avião (voltando de Berlim), sonhei com um terremoto que atingia uma casa grande onde eu me encontrava. Pensei: é a minha preocupação com o PT, que passava por um verdadeiro terremoto.

ISTOÉ – O sr. já pensou em sair do PT?
Eduardo Suplicy

Ingressei no PT como opção de vida e prefiro me engajar dentro do PT para corrigir os rumos. O presidente Lula sempre diz que a ética no PT é uma questão fundamental. Prefiro continuar acreditando nisso.

ISTOÉ – Há volta no prejuízo da imagem do PT diante da reação da direção do partido sobre as denúncias?
Eduardo Suplicy

Houve um erro de avaliação com relação à CPI. Eu sempre parto do pressuposto de que temos que agir com a maior transparência possível e em tempo real. A melhor maneira de prevenir irregularidades é a transparência. Devemos ser sempre os primeiros a tomar a iniciativa para exigir esclarecimento e não a atitude de brecar ou delongar as informações que devem ser de conhecimento da opinião pública.

ISTOÉ – O sr. concorda com o argumento de que há um movimento golpista contra o governo e o partido por parte da oposição?
Eduardo Suplicy

Não concordo. Podemos enfrentar esse problema de maneira firme. Temos que confiar em nós mesmos, na nossa capacidade de contrapor nossos argumentos aos da oposição, temos que mostrar as qualidades do nosso governo e reconsiderar os erros que porventura tiverem acontecido.

ISTOÉ – O que tem achado dos depoimentos de Roberto Jefferson?
Eduardo Suplicy

Ele tem um grande conhecimento e experiência jurídica e televisiva. Pareceu ser convincente, mas é preciso tomar cuidado para saber se tudo o que ele fala é verdadeiro ou não. Ou se a interpretação que ele dá aos fatos é correta. Ele tem a preocupação de citar episódios nos quais há duas ou três testemunhas. É isso que dá uma eiva de veracidade a seu depoimento. Mas não vejo muita consistência em suas palavras quando ele chega à conclusão de que José Dirceu é o mentor do suposto mensalão. Sem mostrar o caminho comprobatório desta afirmação ele enfraquece muito a sua argumentação.

ISTOÉ – A reeleição de Lula está ameaçada diante dessas denúncias?
Eduardo Suplicy

O presidente Lula mantém a confiança do povo. Tudo vai depender de sua atitude daqui para a frente.

ISTOÉ – Depois de 25 anos dedicados ao PT, o que sente neste momento?
Eduardo Suplicy

Vivemos o momento mais triste e preocupante nesses 25 anos. A ética, um dos nossos pilares, nunca havia sido atingida. Temos que reagir a isso. É preciso aproveitar a oportunidade da crise para traçar o caminho correto e corrigir os erros.

ISTOÉ – O ex-ministro José Dirceu agora vai travar uma batalha campal na Câmara. O sr. acha que ele vai sair ileso desse duelo?
Eduardo Suplicy

Ele é capaz de responder e pode sair fortalecido ao vir se explicar.