Na biografia romanceada parte-se
de um personagem real – normalmente pessoas famosas, líderes, ícones – e inventam-se diálogos, situações cotidianas, cenas. Buda, Santo Agostinho, Nietzsche e Alexandre, o Grande, são alguns dos que já ganharam livros do gênero. Acaba de chegar às livrarias nova tentativa deste tipo de romance: A amante de Brecht (Record, 240 págs., R$ 27), de Jacques-Pierre Amette, que recria o possível ambiente em torno do dramaturgo Bertolt Brecht na Berlim Oriental no final dos anos 40. Ele havia passado quase duas décadas exilado pela Europa e voltava à Alemanha para dirigir o Deutsches Theater, com 51 anos, um certo desencanto e vários problemas de saúde. O histórico artístico do teatrólogo levou o serviço de inteligência a supor que ele deveria ser vigiado. Notório mulherengo e obcecado por teatro, nada melhor que uma jovem e bonita atriz para espioná-lo. Com essas medidas, Maria Eich acaba sendo a espiã pela qual ele se encantou.

Essa mulher nunca existiu, mas ela é a síntese de várias “ficantes” de Brecht, que, mesmo casado com a atriz Helene Weigel (elogiada protagonista de Mãe coragem, uma de suas peças), tinha casos extraconjugais – na maioria das vezes, com a concordância da esposa. Não há revelações apimentadas sobre a vida sexual do teatrólogo, que será homenageado em 2006 por ocasião dos 50 anos de sua morte. Excetuando-se a cena em que o protagonista “substitui a virilidade enfraquecida pelo cabo de uma escova de cabelo”, o resto é, no máximo, ranger de colchões à disposição da fantasia do leitor. A obra oferece mais o ponto de vista da sociedade sobre Brecht do que revelações sobre ele propriamente. Para a Moscou da antiga União Soviética, por exemplo, o autor de Ópera dos três vinténs era “um homem de teatro com marxismo primitivo”. Já os agentes secretos alemães querem saber se ele é ex-anarquista e até mesmo se tem inveja de Thomas Mann.

Maria Eich copia, fotografa, rouba cartas, poemas, anotações, além de narrar o cotidiano daquele homem considerado irascível. Ela não se apaixona por ele, embora o admire. A amante, na verdade, ama outro em silêncio. O romance ganhou o Goncourt 2003, célebre prêmio francês. O autor, jornalista e ensaísta, é um estudioso de Brecht e da cultura alemã, o que nos leva a acreditar que boa parte da narrativa está bem localizada no universo do teatrólogo. Mas não livra a obra de decepção. Como indica o título, o livro é focado em Maria Eich. O problema é que ela não é uma fábula atraente e temos de suportá-la para chegar a Bertolt Brecht, esse sim um personagem digno das melhores páginas.