Há quem considere Guerra dos mundos,
escrito em 1898 pelo inglês H. G. Wells, a
primeira história sobre a invasão de
extraterrestres ao planeta. Na época, o livro se prestava a vários simbolismos, como o medo britânico das intenções dos alemães do Kaiser, a crítica ao imperialismo e um claro alerta à industrialização. O cineasta americano Steven Spielberg decidiu reinterpretar a obra num contexto contemporâneo ainda mais carregado de alegorias. O filme Guerra dos mundos (War of the worlds, Estados Unidos, 2005), com estréia mundial na quarta-feira 29, afinal, foi rodado pós-atentado de 11 de setembro, quando os americanos são as forças invasoras de um território que não lhes pertence e a globalização aniquila individualismos. Assim, quem sempre retratou alienígenas pacíficos e fofinhos agora mostra demônios de outro mundo. É o “ET que virou gângster”, nas palavras do astro principal, Tom Cruise.

O resultado é o terror constante. Imagine Bagdá sob uma destruição
massificada por máquinas até então desconhecidas. Junte a isso
o genocídio em Ruanda, com corpos de milhares de inocentes flutuando
num rio e multidões de refugiados sem saber ao certo para aonde vão.
Acrescente o Holocausto judeu, com pessoas que há pouco eram vizinhos,
amigos ou parentes sendo transformadas em cinza nos crematórios. Tudo em cenários em que os campos, literalmente, são irrigados a sangue. Spielberg é cineasta competentíssimo, capaz de retratar os pesadelos humanos e exibir o resultado como se fossem slides de uma viagem de férias. Usa sempre este
truque: mistura o mágico com o familiar, como se tudo fosse corriqueiro.

Egocêntrico – H.G. Wells conta a trajetória de um sobrevivente de uma invasão marciana, que foge dos arrabaldes de Londres para a zona rural. Spielberg procurou outras freguesias e personagens. “Nós já fomos a Marte: não tem ninguém por lá”, disse. Assim, os alienígenas vêm de um planeta desconhecido. O personagem principal, Ray (Tom Cruise), ganha melhores contornos e bagagem pesadíssima, quando se vê na mesma jornada de retirada junto com o filho adolescente rebelde Robbie (o novato Justin Chatwin) e a filha criança Rachel (Dakota Fanning, um prodígio de 11 anos). O egocêntrico estivador divorciado – que não tem paciência nem para receber os filhotes durante um fim de semana – acaba tendo de se defrontar com forças universais e virar pai na marra. E o que é pior: o ponto de
partida é a zona estuária de Nova Jersey – que os nova-iorquinos consideram uma espécie de planeta menor.

“Steven é um otimista. Ele acredita que o melhor da humanidade surge durante as crises e tragédias”, disse a ISTOÉ o roteirista David Koepp. “E, quando ele me lembrou disso, eu corri para a máquina e escrevi a cena de um ataque da multidão
à família de Ray. Acho que nas crises também surge o que há de pior no ser humano”, diz. Mas, na versão spielberguiana desta guerra, a destruição do mundo serve apenas de cenário no processo de maturação de um pai e sua ligação com a prole. Foi tudo feito em tempo recorde: três meses. “Nunca fiz um filme tão depressa”, disse Tom Cruise. A verdade é que o período de produção foi multiplicado por dois, o que livrou diretor e atores de contratempos. “Durante as pesquisas para locações, encontrei, por exemplo, este local perfeito em Nova Jersey, onde existem vários restaurantes portugueses e brasileiros (Newark). Foi um achado que facilitou muito as filmagens, dando uma noção de comunidade multiétnica e ao mesmo tempo muito comum”, diz Dennis Muren, supervisor de efeitos visuais. Tanto que nossos patrícios colaboram na seqüência do início da invasão, quando se ouve distintamente uma brazuca dizendo ao fundo: “Nunca vi uma coisa dessas. O que está acontecendo?”

O cineasta, escritor e radialista Orson Welles fez sua interpretação da Guerra dos mundos em 1938, o produtor George Pal levou a obra para as telas em 1953, mas ninguém antes de Spielberg teve US$ 135 milhões, efeitos especiais impensados e uma constelação de astros que vai de Cruise a Tim Robbins. O resultado dificilmente baterá a bilheteria de ET – o extraterrestre, mas, certamente, merece o carimbo de autenticidade de Steven Spielberg. Para os que leram Guerra dos mundos, esta versão será uma surpresa. Para os que não leram – sem querer estragar o final do filme –, fica a questão: como é que uma civilização tão avançada, que estudou nosso planeta durante milênios, não foi capaz de inventar uma roupa especial para seus astronautas? Parece invasão planejada pelo Pentágono.