Uma das maiores dificuldades no tratamento do
mal de Alzheimer, uma das mais graves doenças neurodegenerativas que se conhecem, é saber quando ele começa. Isso significa descobrir em que momento
da vida essa enfermidade caracterizada pela perda da memória e pela demência inicia o seu processo de desenvolvimento e de aniquilamento gradual e irreversível do cérebro.

Muitas vezes, infelizmente, o diagnóstico é feito tarde demais. Identifica-se um portador quando as primeiras manifestações de degeneração cerebral podem ser percebidas. Entre elas estão principalmente as falhas de memória recente – o indivíduo é capaz de se lembrar de algo acontecido 20 anos atrás, porém não se recorda do que acabou de anotar em uma folha de papel. Nesse momento, no entanto, parte dos neurônios, as células que compõem o cérebro, já está comprometida pela enfermidade. A partir daí, o que se pode fazer é tentar dificultar sua progressão, mas o estrago feito não será mais revertido.

Lembranças – É para tentar mudar esse quadro e tomar as rédeas do jogo, conhecendo e combatendo o inimigo o mais rápido possível, que centenas de cientistas batalham diariamente para encontrar formas mais eficazes de um diagnóstico preciso e, melhor, precoce. O primeiro passo é conhecer mais sobre a doença, que no Brasil atinge cerca de um milhão de pessoas. Sabe-se que a enfermidade leva à morte dos neurônios. Isso ocorre devido ao acúmulo de duas proteínas (a beta-amilóide e a tau). Aos poucos, o excesso dessas substâncias no cérebro forma placas que inibem o funcionamento neuronal, provocando a morte dessas células. Acredita-se que o primeiro circuito atingido seja o responsável pela transmissão e armazenamento das lembranças recentes. Isso explicaria por que um dos sintomas iniciais é exatamente a dificuldade em recordar o que se fez há poucas horas – e não anos antes. Até agora, a ferramenta mais confiável para avaliar a presença da doença é a combinação do reconhecimento dos sinais clínicos, a exclusão por meio de testes laboratoriais de outras doenças que também podem levar ao comprometimento da memória (como alterações da tireóide) e a realização de exames de imagem cerebral.

É claro, no entanto, que se busca saber mais. Um dos campos que vêm merecendo atenção crescente são as alterações metabólicas que podem estar associadas à enfermidade e podem também ocorrer antes de a doença se instalar. Seriam como avisos precoces de que a doença está se aproximando. Pesquisadores da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, por exemplo, criaram um
programa de computador capaz de medir essas modificações em áreas-chave afetadas no estágio muito inicial da doença. Com o auxílio desse software, os cientistas demonstraram que a redução no metabolismo dessas regiões cerebrais em indivíduos saudáveis está relacionada a um posterior desenvolvimento da enfermidade. “É uma evidência de que esse tipo de medição pode ser usado para prever a ocorrência da doença”, afirmou Lisa Mosconi, pesquisadora do Departamento de Psiquiatria da instituição americana e coordenadora do trabalho. “Embora outras investigações sejam necessárias, nossa técnica oferece a possibilidade de fazer um rastreamento do Alzheimer em indivíduos que ainda
não estão prejudicados pelo mal”, completou. O trabalho foi publicado na última edição do jornal Neurology.

Uma das bases do programa criado pela cientista americana é a análise de imagens obtidas pelo sofisticado aparelho PET-CT (tomografia por emissão
de pósitrons). Esse mesmo equipamento, usado para detectar câncer, também
vem sendo utilizado no Brasil para auxiliar no diagnóstico do Alzheimer. Uma
parte do exame é igual, seja para fins oncológicos, neurológicos ou cardiológicos,
a terceira especialidade a se beneficiar do teste. O paciente recebe uma aplicação
de radiofármaco (substância que serve como marcador do órgão que precisa ser estudado), responsável pela definição das imagens na localização das doenças.
No caso do Alzheimer, essa substância é glicose marcada com flúor. O resultado
é avaliado a partir de uma reação oposta à resposta obtida, por exemplo, na investigação de câncer. Enquanto as células cancerígenas absorvem o
composto rapidamente (devido a uma atividade metabólica superior à do tecido sadio), no cérebro acometido pelo Alzheimer ocorre o contrário. “Tecidos
cerebrais captam muito açúcar, mas as áreas acometidas pela doença são hipometabólicas (menos ativas) e utilizam menos a substância glicosada no seu metabolismo”, explica Lea Mírian Barbosa da Fonseca, responsável pelo setor de Medicina Nuclear do Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

De acordo com o médico Sérgio Altino de Almeida, também do Samaritano, o exame é indicado apenas para quem já apresentou sintomas e com indicação de um especialista. “Ele não é feito para checar. É usado para confirmar ou não uma doença previamente suspeita”, explica. De fato, embora represente um progresso, o teste infelizmente ainda não é a resposta que todos desejam. “Essa nova tecnologia é mais um recurso para ajudar no diagnóstico, porém não é suficiente para detectar a doença com precisão em estágios precoces”, pondera o neurologista Paulo Bertolucci, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O psiquiatra Orestes Forlenza, do Hospital das Clínicas de São Paulo, que também desenvolve trabalhos em neurologia, concorda. “Nenhum método laboratorial mostrou-se até hoje definitivo para o diagnóstico do Alzheimer. A avaliação clínica é soberana e os exames subsidiários podem reforçar essa suspeita. O que se espera nos próximos anos é a identificação de marcadores específicos da doença, mas isso ainda não aconteceu”, lamenta.

Custo – O preço desse exame de imagem é alto: R$ 3,6 mil. Mas em países onde ele é rotina até em hospitais públicos, como na França, pesquisas demonstram que tomar conhecimento da doença cedo diminui o tempo de internação e o gasto com tratamentos e cirurgias inúteis. “A economia fica em torno de 33%”, atesta Lea. Vale ressaltar que o índice se refere ao uso do PET em geral, e não apenas à sua aplicação em neurologia.

Uma das preocupações dos médicos ao fazer o diagnóstico da doença nas fases iniciais é retardar seu avanço com o uso de remédios. Atualmente, as substâncias mais usadas no tratamento da doença são galantamina, donepezil e rivastigmina. As três potencializam a ação da acetilcolina – um neurotransmissor que promove a troca de informações entre os neurônios responsáveis pelas lembranças e pelas funções intelectuais. Quem tem o mal de Alzheimer possui baixas taxas dessa substância. Quando a enfermidade se agrava, a pessoa acaba se desconectando da realidade. Outra substância, a memantina, que protege os neurônios por vias diferentes dos demais medicamentos, só é utilizada nos estágios mais avançados da doença. “Seus mecanismos de atuação não estão esclarecidos, mas muitos pacientes melhoram por um tempo”, diz André Palmini, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).

Vantagem – Em vista dos benefícios desses medicamentos, substâncias mais antigas, como a tacrina, são cada vez menos indicadas. “Ela causava muitos efeitos colaterais, como náusea”, explica Bertolucci, da Unifesp. Enquanto não surgem novos compostos, um dos investimentos dos laboratórios é facilitar o uso dos remédios. Um dos caminhos para isso é reduzir o número de comprimidos ingeridos no dia-a-dia, como já ocorre com o donepezil. Segundo o Laboratório Janssen-Cilag, fabricante da galantamina, a partir de agosto os usuários brasileiros terão acesso ao remédio no formato que permite tomá-lo uma única vez ao dia (hoje são duas doses). Agora, ele tem um mecanismo que libera de modo gradual a substância ativa. Essa simplificação da posologia é especialmente importante para os idosos, que costumam fazer uso de vários medicamentos. Na Europa, só existe um adesivo de uso diário de revastigmina, mas não há previsão da sua chegada ao Brasil.