Por força de lei e com o intuito de combater a lavagem de dinheiro, desde julho de 2003 os bancos brasileiros são obrigados a informar ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) qualquer saque superior a R$ 100 mil feito por seus clientes. Nos casos em que os saques atingem volumes elevados ou quando os correntistas são alvo de alguma investigação em andamento, é rotina do Coaf repassar as informações recebidas dos bancos à Procuradoria da República. E é por conta desse requisito legal que o Ministério Público Federal de São Paulo e o Ministério Público Estadual de Minas Gerais têm conhecimento dos saques acima de R$ 100 mil feitos pelas agências de publicidade SMP&B e DNA. De comum entre as duas empresas existe o sócio Marcos Valério Fernandes, apontado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) como um dos fornecedores do dinheiro usado pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares, para o pagamento do suposto mensalão a parlamentares da base aliada do governo. Há duas semanas, Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Valério, em entrevista concedida à revista ISTOÉDinheiro, endossou as denúncias do deputado.

Ela relatou vários encontros de Valério com Delúbio, revelou que diversos e milionários saques em dinheiro seriam feitos de contas da SMP&B e da DNA em agências do Banco Rural de Belo Horizonte (MG) e contou que o dinheiro seria dividido e distribuído em Brasília. No que diz respeito aos saques em dinheiro feitos nas agências do Banco Rural, documentos em poder do Ministério Público comprovam o que disse Karina. Na última semana, ISTOÉ teve acesso a esses documentos. A papelada mostra que de julho de 2003 a maio de 2005 saíram das contas da SMP&B e da DNA, em dinheiro vivo, R$ 20,6 milhões. Considerando pedidos de saque não realizados e depósitos em espécie, a cifra chega a R$ 27 milhões. O relatório nas mãos dos procuradores e promotores revela que, nesse período, saíram da conta da SMP&B R$ 16,5 milhões em dinheiro vivo. Da conta da DNA, os saques somam R$ 4,4 milhões.

Segundo uma fonte do Banco Rural que também teve acesso aos relatórios, nos dois anos analisados, foram 103 saques na boca caixa, o que dá uma média de um saque semanal em valor acima de R$ 100 mil. Há, no entanto, saques bem maiores. Em janeiro de 2004, por exemplo, foram retirados R$ 2,8 milhões. Em setembro do mesmo ano foi retirado R$ 1,3 milhão. Em 2003 se deram os maiores saques nas contas das duas empresas: R$ 11 milhões, no total. Apenas entre setembro e outubro foram feitos 20 saques na seguinte seqüência: seis de R$ 250 mil, quatro de R$ 300 mil, três de R$ 100 mil, dois de R$ 200 mil, um de R$ 112 mil, um de R$ 350 mil, um de R$ 500 mil (o maior deles, no dia 10 de outubro) e um último de R$ 385 mil. Em 2003, os saques somaram R$ 11 milhões. No ano passado, as retiradas chegaram a R$ 10 milhões. A Receita Federal também está investigando as movimentações das empresas de Marcos Valério e seus sócios.

Nas investigações, o Ministério Público e a Polícia Federal já identificaram pelo menos duas pessoas que se dirigiam às agências do Banco Rural para fazer alguns dos saques em dinheiro vivo. Uma delas é Geiza Dias dos Santos, que trabalha no departamento financeiro da SMP&B e já havia sido apontada pela ex-secretária Karina como autora de alguns saques. Os procuradores sabem que pelo menos R$ 2 milhões foram retirados das agências bancárias por Geiza. No final de 2003, ela trocou uma modesta casa na periferia do município de Contagem por um confortável apartamento no bairro de Ouro Preto, em Belo Horizonte. Procurada pela reportagem, Geiza se recusou a dar declarações.

Alexandre Vasconcelos Castro é outra pessoa já identificada como sacador de dinheiro da SMP&B nas agências do Banco Rural, em 2003. Ele é o dono da
Express, uma empresa de cobrança e factoring que tem como fachada uma loja de bicicletas na avenida Assis Chateaubriand, no bairro Floresta, um dos mais tradicionais da capital mineira. Procurado por ISTOÉ, inicialmente Castro negou qualquer relação com os saques no Banco Rural: “Em 2003 perdi meus documentos em Contagem. Podem estar usando esses documentos para aplicar golpes”, afirmou. Mas, ao ser perguntado a respeito da factoring, ele mudou o tom da resposta: “Hoje, só trabalho com pequenas cobranças. Mas em 2003 eu fazia centenas de saques nas agências do Rural. Pode ter sido eu mesmo, embora não conheça a DNA, a SMP&B, o sr. Marcos Valério e muito menos autoridades do governo.” Entre os procuradores, há a certeza de que mais pessoas fizeram saques nas contas das agências de publicidade.