Das esquisitices capazes de se instalar de uma hora para outra em sua cabeça, não há outra mais instrutiva do que um berne. Ele mesmo, o ovo da mosca-varejeira. Começa como uma pequena coceira. Depois vira um calombo. Ele é carne de sua carne. Mas, aos poucos, adquire vida própria, deixando claro, com repuxões, que não gosta de banho, ou pelo menos de xampu. Às vezes acorda de noite para comer. E, sendo você sua refeição, não dá para ignorar o convite à festa.

O calombo em si, debaixo do cabelo, é até discreto. Escandalosa parece ser a compulsão de explicar as caretas involuntárias que seus expedientes internos cada vez mais introduzem no meio de qualquer conversa. Nessas ocasiões você descobre que o mundo também se divide entre gente que mal disfarça a urgência de se afastar de ambos – você e o filhote da Dermatobia hominis – e aquelas que o acolhem instantaneamente na confraria das pessoas que têm histórias, cicatrizes e receitas para animar horas de solidária convivência com quem entende da matéria.

São, em geral, zoólogos, botânicos, pesquisadores de campo, guarda-parques. Gente que trabalha no mato. E você acaba se sentindo como se fosse um deles, mesmo sem ter em seu currículo nenhum serviço prestado à conservação das florestas. O primeiro berne não deixa de ser um rito de iniciação na floresta tropical.

O mesmo rito que na Costa Rica valeu ao biólogo Jerry Coyne, do Museu de Zoologia Comparada de Harvard, cinco páginas inesquecíveis num dos melhores livros publicados nos últimos 25 anos sobre o assunto. E o assunto não era berne, e sim a natureza dos trópicos. Coyne entrou em “Tropical Nature”, da dupla Adrian Forsyth e Ken Miyata, graças “à revelação” que teve na primeira escapada dos laboratórios universitários para conhecer a selva na América Central.

A epifania pousou em sua cabeça sem ele sentir. E, quando foi diagnosticada pela entomóloga da equipe, Coyne “corria em círculos pelo acampamento, implorando pela remoção da larva”. Era, para ele, “intimidade demais” com a natureza. E também não se sentia pronto a testar as alternativas da medicina local. Ou seja, raspar a zero a cabeleira e amarrar um toucinho no crânio, método tradicional de extrair o berne forçando-o a subir para respirar. Como um mergulhador de esnorquel, ele tem que buscar oxigênio regularmente por um tubo que aflora à superfície.

O zoólogo optou por levar o caso ao centro médico de Harvard. No Brasil, isso é coisa que se resolve numa visita ao consultório – de um bom dermatologista de Foz do Iguaçu, por exemplo. Isso depois de recusar o serviço de várias mãos experientes e prestativas, que se propõem a acabar com aquilo na hora. Nos Estados Unidos, Coyne se viu “imediatamente cercado por uma multidão de doutores e enfermeiras, que nunca tinham visto um berne antes e o trataram mais como uma curiosidade médica do que como um sofrido paciente”.

Como tudo acabou ficando por isso mesmo, Coyne tomou gosto pelo suvenir que, sem querer, trouxera vivo da Costa Rica. Transformou-o em objeto de estudo, sendo ele, naturalmente, a cobaia. Agradava-lhe a ideia de horrorizar os colegas com a protuberância no couro cabeludo que nenhum penteado conseguia mais esconder. Estava decidido a criar o bicho até a fase adulta. Até que um dia, enquanto ele
assistia a uma partida de beisebol, a larva de dois centímetros e meio separou-se de Coyne sem aviso prévio, caindo na arquibancada do estádio.

Coyne recolheu-a. Guardou-a num recipiente “preparado como berçário”. Mas, “apesar de seu carinhoso desvelo”, a larva morreu de desidratação antes de chegar a pupa. Pena. Ia ser a primeira Dermatobia hominis a entrar em Harvard.