“Se estamos em crise, tire o ‘s’ da palavra. Crie”. A frase que funciona como mantra para o empresário do ramo de educação Chaim Zaher pode ser a chave para tirar os brasileiros do atual estado de desalento que tem feito ruir as expectativas de um futuro melhor. A julgar pelas pesquisas de opinião, tudo vai mal. A insatisfação com o governo é recorde, a economia piorou segundo 72% da população, e o desejo de abandonar o País é assumido por dois em cada três jovens com idade entre 16 e 24 anos. O quadro de desânimo, porém, é o lado mais danoso da ciclotimia que caracteriza os altos e baixos do humor nacional. Assim como somos tomados de um pessimismo atávico que drena energias e bloqueia a prosperidade, podemos ser instantaneamente tomados pela euforia que nos coloca entre os mais confiantes cidadãos do mundo. O que nos falta, como diria o técnico Tite em sua pregação junto ao elenco que disputa o mundial da Rússia, é equilíbrio. Aquela ponderação que permite sair de uma situação crítica para criar, como fez a vida toda o imigrante libanês Zaher, fundador de um dos maiores grupos educacionais do Brasil e que continua investindo em oportunidades no setor que é o mais estratégico para qualquer sociedade: o conhecimento. Reagir ao clima de derrota, em todos os campos, e não apenas no futebol, é o que o País precisa para sair fortalecido de uma conjuntura tão adversa quanto nefasta.

HORA DE ACREDITAR

Talento não nos falta. Nem iniciativas exemplares, que se espalham pelas mais diversas áreas: da gestão pública comprometida com a eficiência e a economia (sim, parece difícil de acreditar, mas temos políticos honestos e capazes) ao desenvolvimento de tecnologias de ponta no setor aeroespacial; das inovações em saúde que permitem debelar em tempo recorde uma epidemia como a da zika à criação de aplicativos voltados para reduzir as alarmantes taxas de feminicídio. Há um Brasil que cria, que busca soluções merecedoras de admiração e reconhecimento internacional. E há um Brasil que permanece inerte, esperando que as coisas melhorem sem que seja necessário grande (ou nenhum) esforço. Fazer parte do primeiro time é acreditar no País. É reagir. Resignar-se ao segundo é como entrar no jogo preferindo perder.

Se a decepção com os políticos brasileiros tem gerado apatia e fortalecido as intenções de votar em branco ou nulo nas próximas eleições, há razões para ter esperança até mesmo nos corredores do Congresso Nacional, em Brasília. No dia 12 deste mês, a deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP), 50 anos, tornou-se a primeira brasileira a fazer parte de um comitê da Organização das Nações Unidas (ONU) para pessoas com deficiência – um reconhecimento ao trabalho pela inclusão ao qual ela se dedica desde 1997, depois de ter ficado tetraplégica em um acidente de carro. À frente de um instituição que leva seu nome, ela coordena ações para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência por meio do esporte e da cultura, além de abrigar o programa Cadê Você?, que realiza mutirões para encontrar e ajudar quem precise de ajuda, seja uma cadeira de rodas ou um atendimento específico. O nome é uma referência à invisibilidade da população com deficiência. “Aquelas pessoas que não vemos, achamos que não existem”, diz Mara. “O primeiro passo para alguém querer sair de casa é ter saúde. O segundo, é garantir boas calçadas. Os brasileiros com deficiência hoje abrem a porta de casa e precisam enfrentar um verdadeiro rally!”, afirma. “Assim, eles não exercem sua cidadania, ficam excluídos e trancados dentro de caso. O programa quer mudar isso.” Desde 2010, a iniciativa já ajudou seis mil famílias. A ativista começou seu trabalho no setor público como secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo. Depois, se elegeu vereadora, deputada estadual e federal. A escolha da ONU consagra sua trajetória, embasada em um amplo conhecimento da legislação. “O que o poder público precisa é de ajuda: quando a sociedade civil, o parlamento e o governo conseguem trabalhar juntos e por uma mesma finalidade, dá certo”, afirma. O nobre princípio de somar esforços em prol do bem comum — e não dos interesses particulares — costuma ser visto como exceção em Brasília, mas existe. E não é só Mara Gabrili que serve de exemplo.

Em um ambiente cercado de privilégio e mordomias pagas com o dinheiro público como é o Senado Federal, alguém que se preocupe em reduzir as despesas do próprio gabinete traz um alento e tanto. No primeiro dia de seu mandato, em 1º de janeiro de 2015, o senador José Reguffe (DF), hoje sem partido, abriu mão de maneira irrevogável de privilégios e benefícios. Recusou toda verba indenizatória e os salários extras a que os senadores têm direito. Desistiu do carro oficial e da cota de gasolina, assim como do plano de saúde vitalício dos senadores – foi o primeiro na história do Brasil a fazer isso. Para completar, compôs uma equipe de gabinete com apenas nove assessores comissionados, enquanto seus colegas têm 55, e alguns, como o senador Fernando Collor (PTC-AL), chegam a 80.  “A tese que eu defendo e que pratico no meu gabinete é que um mandato pode ser de qualidade custando bem menos para o contribuinte”, afirma Reguffe, de 45 anos, um parlamentar bastante ativo, com 100% de assiduidade em 2016 e 2017. Entre suas Propostas de Emenda Constitucional (PEC) está a que impede que deputados e senadores se reelejam mais de uma vez. Segundo ele, isso permitiria que o sistema fosse constantemente oxigenado, dando chance para outras pessoas. Nas suas emendas ao orçamento, o senador prioriza as despesas com saúde e educação: destinou recursos para a compra de remédios e equipamentos nos hospitais públicos e para a reforma de escolas em Brasilia. Eleito para o Senado pelo PDT, deixou o partido para seguir um caminho independente. Com suas iniciativas de redução de custos, Raguffe tem assegurada uma economia direta aos cofres públicos de R$ 16,7 milhões ao longo de todo seu mandato. “O custo do Congresso é um desperdício de dinheiro público e um desrespeito com o contribuinte.” O Senado brasileiro é um dos mais caros do mundo, com orçamento de R$ 2,7 bilhões neste ano. Cada um dos 81 senadores custa em média R$ 185 mil por mês e gasta cerca de R$ 33,4 milhões, segundo levantamento da ONG Transparência Brasil.

Cobrar maior eficiência do Congresso Nacional pode parecer uma utopia, mas exigir bom desempenho dos vereadores é algo que cada munícipe deveria fazer. Os resultados de uma boa gestão municipal são evidentes em Águas de São Pedro (SP), com 3,26 mil habitantes e primeira colocada do estado no Ranking de Eficiência dos Municípios, feito com dados compilados pelo jornal Folha de S. Paulo. A primeira no Brasil é Cachoeira da Prata (MG), mas a cidade paulista leva vantagem em outras avaliações: é a melhor do estado e a segunda no Brasil em longevidade e expectativa de vida, de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil (PNUD/IPEA/Fundação João Pinheiro). O milagre não está nas águas terapêuticas e sim no uso responsável de recursos disponíveis para as áreas da saúde, educação e saneamento básico. Sua rede de esgoto atende mais de 97% dos domicílios e taxa de escolarização para alunos de 6 a 14 anos é de 98,4%. A mortalidade infantil, 38,4 óbitos por mil nascidos vivos, está entre as mais baixas do País.

CIÊNCIA PELA VIDA

Em 2016, a professora brasileira Celina Turchi começou a investigar se havia relação entre a ocorrência de casos de um vírus pouco conhecido até então, o zika, e o nascimento de bebês com microcefalia. Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco, ela ficou intrigada com tantos casos e colocou em prática uma das principais bases do pensamento científico: fazer uma pergunta e buscar a resposta com base em metodologia, rigor e precisão. Apenas três meses depois, Celina e sua equipe concluíram que o vírus estava de fato relacionado com a doença. O achado redirecionou o tratamento dos casos e entrou para a história da medicina. No final daquele ano, a brasileira integrou a lista dos dez cientistas mais importantes elaborada pela revista Nature, bíblia da produção científica mundial. Em 2017, ela figurou entre as cem pessoas mais influentes do mundo segundo a revista Time. Celina obteve o sucesso graças à capacidade excepcional dos pesquisadores brasileiros de realizarem belos projetos mesmo em condições adversas.

Sua descoberta foi fruto de uma força-tarefa da qual participaram especialistas de diferentes instituições nacionais que correram contra o tempo para encontrar respostas a um problema grave de saúde pública. Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, foi um dos que colaboraram com o estudo. Ele conduz um trabalho desbravador na criação de modelos por meio dos quais é possível estudar doenças que atingem o cérebro. Em um de seus trabalhos utilizando esses mini-cérebros, descobriu que aqueles infectados pelo vírus da zika cresciam 40% menos em comparação com os não expostos. Em sete meses, mais de vinte mil cientistas do mundo todo acessaram a pesquisa, publicada na revista científica Science.

EDUCAR PARA O FUTURO

Apesar das dificuldades que o Brasil enfrenta na área da educação, alguns projetos bem-sucedidos orgulham aqueles que fazem da escola sua bandeira. Uma iniciativa no estado do Amazonas permite que jovens que vivem em comunidades isoladas e de difícil acesso, separadas por rios e pela floresta, consigam ter aulas de todas as disciplinas sem sofrerem com a falta de professores. A solução foi encontrada com o auxílio da tecnologia. Em Manaus, sete estúdios são palco de aulas transmitidas ao vivo para cerca de 43 mil alunos de 2,2 mil comunidades de todo o Estado. “O programa começou no Ensino Médio, foi se aprimorando e hoje atendemos também o Ensino Fundamental II, além de educação de jovens e adultos”, diz Kátia Regina Mendes, diretora do Centro de Mídias de Educação do Amazonas (Cemeam). A iniciativa já ganhou catorze prêmios nacionais ou internacionais, incluindo o World Innovation Summit for Education, que reconhece projetos inovadores bem-sucedidos e ao qual concorrem mais de três mil iniciativas de 150 países.

No âmbito privado, a busca de soluções inovadoras para atender aos desafios do ensino é a missão do empresário Chaim Zaher, citado no início da reportagem. Depois de vender sua participação na Estácio, uma das maiores organizações privadas de ensino superior do Brasil, ele criou a rede Concept, de escolas de alto nível que tem parceira com a finlandesa Fun Academy. Entre as iniciativas para aprimorar a tecnologia de ensino e torná-lo mais instigante está o uso de inteligência artificial. É o caso do Bro, assistente pessoal que faz as vezes de colega e professor virtual para incentivar o aluno a se dedicar mais aos estudos. “Valorizamos o ensino voltado para o desenvolvimento de pessoas”, diz Zaher. Entre as inúmeras urgências que se impõem na agenda do Brasil atual, criar pontes que facilitem o aprendizado e produzam conhecimento talvez seja uma das mais promissoras. Foi assim que outros países avançaram – e só assim chegaremos a algum lugar.