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Lula está prestes a chegar ao ponto de não retorno,
a partir do qual uma eventual derrota de Dilma
seria também o fracasso dele.

A primeira etapa da corrida para suceder o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou marcada por excesso de personalismo e carência de ideias. Com o frenético alarme do tempo tocando igualmente nas pretensas e prováveis candidaturas de José Serra e de Dilma Rousseff, estabeleceu-se o primeiro e perigoso axioma da campanha: se algum deles quer governar o Brasil, a oportunidade é agora. Ou nunca.

Serra está premido pelo encontro do tempo físico com o político. Uma derrota em 2010 o deixaria flutuando durante quatro anos no vácuo da ausência de mandato, o que nas implacáveis leis da política equivale à aposentadoria forçada. Se não for agora, o governador de São Paulo só voltará à disputa presidencial com 72 anos de idade, quando não poderá mais ser apresentado como o primeiro da fila.

Em 2014, Dilma terá a idade que Serra tem atualmente. Sua dificuldade para um segundo voo, portanto, é antes uma questão de clima do que de tempo. Hoje nem os funcionários da base de lançamento da nave Dilma-2010 comprariam um bilhete para outra tentativa, quatro anos mais tarde. A ministra do PAC tem 18 meses para ganhar o partido, construir um programa e, em caso de derrota, preservar eleitores fiéis. No entanto, como ficou provado no encontro do presidente e da candidata com cerca de 3.500 prefeitos, na terça-feira 10, em Brasília, só existem "dilmistas" neste momento porque Lula quer. E eles precisam ser autênticos para que Dilma venha a ter futuro político quando o padrinho se for.

O axioma do "agora ou nunca" é perigoso porque ele embute uma falsa primazia. Por ele, Barack Obama não seria presidente dos Estados Unidos. A primazia é falsa porque o sistema eleitoral brasileiro não prevê a indicação por listas partidárias e é perigosa porque sufoca ideias, propostas e debates. Até agora, a campanha tem sido apenas uma discussão de "quem" vai ser e não do "que" vai ser depois de Lula. Nas panelinhas partidárias do PT e do PSDB, o "agora ou nunca" é como água fervente a elevar a pressão por um consenso de nomes e não de ideias. Se a caldeira estourar, irá gerar explosões de ressentimentos e dissensões que em última instância se abaterão sobre a história e a índole dos dois partidos.

O caso do PT, resolvido pelo desejo do presidente de fazer candidata a "mãe do PAC", é de clara contradição com seu passado. De uma hora para outra, o partido que nasceu de baixo para cima, da mobilização de filiados para a doutrina programática, e dela para os nomes de consenso, se abstém de todos os seus mecanismos de escolha internos – reuniões da executiva, do diretório e até prévias -, para abraçar alguém ditado de cima para baixo. Para quem foi forjado com o DNA da contestação, chega a ser surpreendente a complacência com que a ministra está sendo ungida.

Se inicialmente o presidente pôde usar Dilma como uma espécie de candidata-rolha a segurar qualquer tentativa de antecipar o debate da sucessão, agora Lula corre o risco de se ver numa armadilha eleitoral causada pela popularidade estratosférica. Caso o governo tivesse ido mal, a ministra providenciaria a saída honrosa para que Lula fosse magistrado da própria sucessão. Na eventualidade de o governo perder popularidade com a crise, Dilma funcionaria como belo boi de piranha, enquanto Lula e o PT procurariam outro nome. Mas, com a aprovação nas alturas, a candidata está se transformando numa obrigação do presidente.

Ou seja, Lula está prestes a chegar ao ponto de não retorno, a partir do qual uma eventual derrota dela será também o fracasso dele. O contrário também é verdadeiro, mas isso apenas demonstra como o presidente e seu governo terão de se engajar na eleição. E este é o segundo grande problema do "agora ou nunca": ele gera ações carregadas de ansiedade e de voluntarismo que, no caso de Dilma, podem desembocar na tentação de abrir a porta ao populismo econômico e à radicalização política.

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Serra poderia enxergar nas prévias do PSDB
a oportunidade de mostrar propostas,
sair vitorioso e ainda obrigar Aécio a
permanecer como fiel escudeiro

O "agora ou nunca" de Serra está na raiz de uma guerrilha aberta nos bastidores do PSDB. Ela visa a montar uma pretensa superioridade consensual, a partir de golpes e contragolpes entre os grupos de Aécio Neves e José Serra, no lugar de um debate aberto no partido. A aceitação das prévias obrigaria o governador de São Paulo a entrar numa disputa pelo "o quê" e não por "quem". Se não fosse o "agora ou nunca", Serra poderia enxergar na disputa interna a oportunidade de apresentar suas ideias ao País, sair vitorioso pela consistência programática e eleitoral, e ainda obrigar o governador mineiro a permanecer na legenda como um fiel escudeiro contra a candidata de Lula. Sem prévias, contudo, nada impede que Aécio procure outro caminho político, caso se veja forçado a abrir mão da desejada candidatura tucana.

A pretensa superioridade consensual de Dilma e de Serra é justificada pelo mesmo argumento: eles são bons administradores. Neste momento, os presidenciáveis do PT e do PSDB precisam um do outro porque seus perfis reduzem o incipiente debate de 2010 ao tema único da gestão, ainda que as estratégias sejam diferentes. Enquanto Dilma precisa se expor (e ser exposta) para reafirmar a superioridade, Serra se obrigou a conquistá-la num quase silencioso jogo de escaramuças. É evidente que o País precisa de bons gestores públicos, mas colocadas assim, isoladamente, numa campanha eleitoral, as prerrogativas do bom administrador ficariam melhor como anúncio para contratação de executivo. Uma disputa presidencial é muito mais que isso. Ela lida com aspirações coletivas, compromissos partidários, diferenças regionais e interesses empresariais e financeiros.

Assim, o "agora ou nunca" é a melhor tradução do impasse vivido por uma elite dirigente que não sabe para onde vai. Porque, se ele ajuda numa campanha estéril de propostas, não deixa de ser verdade que o atual vazio de ideias da classe política é também motor desta largada eleitoral francamente personalista. E o Brasil do pós-Lula precisa de programas e não só de nomes.