Romano Prodi, primeiro-ministro italiano, conta uma piada a seus pares. Ronaldo, o atacante da Seleção Brasileira, esteve com a Virgem Maria nos tempos em que jogava na Itália. Fez um pedido: “Gostaria de ter uma estrada que ligasse a Itália ao Brasil.” A Virgem disse que o desejo era demasiado complexo, que ele voltasse para casa e pensasse em outro. No dia seguinte, Ronaldo apelou à santa. “Vamos jogar contra a Juventus, a senhora conseguiria um árbitro imparcial?” A Virgem, constrangida, respondeu: “A sua estrada, você quer com quantas pistas?” O gracejo de Prodi, empossado recentemente, dá o tom de um país cujo futebol está mergulhado no mais escabroso escândalo de corrupção da história do calcio – perto dele, as estripulias do juiz brasileiro Edilson Pereira de Carvalho, da máfia do apito, soam como conto de fadas. Finalista da Copa da Alemanha, em busca do tetra mundial, a Itália corre o risco de ter 13 de seus 23 jogadores na segunda e terceira divisões. Na mesma terça-feira em que Fabio Grosso e Alessandro del Piero despacharam a Alemanha de Klinsmann, um procurador do Estado pedia, em Roma, a queda da Juventus para a terceira divisão e a de Milan, Fiorentina e Lazio para a segundona.

O crime deles foi terem sido beneficiados por uma rede de compra de juízes, dirigentes esportivos e até jogadores montada por Luciano Moggi, ex-diretor-geral da Juventus, devidamente apelidado de “Lucky Luciano” por sua postura bandida. Moggi, alvo de sátiras que circulam pela internet, foi flagrado pela quebra de sigilo de seus aparelhos celulares (mais de dez) – em um único dia do ano passado ele chegou a fazer 476 chamadas. Seu filho, Alessandro, era responsável por uma empresa que agenciava jogadores, agora também mergulhados no mar de lama. Del Piero, da Juventus, autor do segundo gol na partida que tirou a Alemanha da Copa 2006, dedicou o tento a Gianluca Pessotto, dirigente do clube, que muito estranhamente caiu de um prédio, semana passada, e estava em coma. O caos italiano atinge também a outra seleção finalista da Copa, a França. O técnico Raymond Domenech, irônico como sempre, fez questão de dizer que seus três atletas que jogam na Juventus – Trezeguet, Vieira e Thuram – estão blindados em relação ao problema do clube. Não é o caso, certamente, do goleiro Gianluigi Buffon, para muitos o melhor da Copa, seriamente ameaçado de prisão pelo envolvimento em uma tramóia paralela, com apostas pela internet. O que o país todo pede, e talvez nem mesmo o título mundial silencie, é uma “Operação Pés Limpos”, irmã de uma outra, já lendária, a “Mãos Limpas”, que puniu mafiosos e políticos no país.

O inacreditável é que a Itália parece ter se especializado em chegar ao topo das Copas, com futebol tinhoso e seguro, apesar de feio, justamente quando o cheiro da cartolagem é fétido. Foi assim em 1982. Paolo Rossi tinha saído de dois anos de suspensão por ter se envolvido com negociatas de partidas, combinadas com apostadores da loteria esportiva, quando começou a vencer o Mundial da Espanha. Ele não marcava há 24 meses, era um pária que corria e suava até fazer os três gols em Barcelona que tiraram da competição o Brasil de Zico, Falcão, Sócrates e Telê Santana. Os italianos parecem ser movidos a confusão – quanto mais feia, mais eles avançam dentro de campo. Quando se trata de cartolas inescrupulosos, Don Corleones da bola, são campeões do mundo. É um roteiro que mistura a fantasia de Fellini, quase surrealista, com o ambiente Cosa Nostra, de vinganças e armações, dos filmes de Francis Ford Coppola. Forza Azzura!