Os veteranos cultuam hábitos. Tanto contra o Brasil como contra Portugal, Zinedine Zidane entrou em campo ao lado do goleiro Fabien Barthez. “Não queremos ninguém entre nós dois”, disse. É tradição que alimentam desde 1998, quando Zizou marcou duas vezes de cabeça, garantiu o primeiro título mundial da França e a primeira grande tristeza da geração de Ronaldo – a segunda viria no sábado de Frankfurt em que ele, sempre ele, fez uma das mais belas atuações em Copas de todos os tempos e despachou o Brasil. “Ele flutuava em campo”, resumiu Juninho Pernambucano. Ao término da semifinal contra Portugal, depois de marcar o gol da vitória, de pênalti – seu trigésimo pelos azuis, em 107 partidas – Zidane ainda parecia flutuar acima de todos os outros, acima dos 21 jogadores e das 66 mil pessoas no estádio de Munique. Trocara a camisa com Figo e, elegantemente, tratou de vesti-la. Com o número 7 grená às costas, andava de um lado para o outro, lentamente. Aplaudia o público, sorria timidamente. Figo, depois de observá-lo, tratou de fazer o mesmo e repetiu o gesto do francês – vestiu a camisa branca número 10. Pareciam passos de um balé. Eram passos da penúltima partida na carreira de um dos maiores jogadores de futebol que o mundo já viu – a última estava marcada para o domingo, 9 de julho, em Berlim, na finalíssima contra a Itália. Desfecho glorioso para um atleta que nós, brasileiros, aprendemos a ver como carrasco, mas que o mundo todo celebra pela discreta elegância. “Ele é o maior craque dos últimos 20 anos”, resume Pelé.

Zidane faz história porque a delicadeza dentro de campo, como se vestisse
fraque e cartola, é a mesma que exibe fora dele – nesse aspecto é diferente de
todos os outros grandes jogadores, em qualquer época. Aos 34 anos, é um
homem tímido e modesto como na infância. O pai, nascido na Argélia, era guarda noturno de um hipermercado em Marselha, no sul da França. Yaz – como ainda é tratado em família, diminutivo de Yazid, segundo nome de Zidane – primeiro quis ser ciclista, como todo bom francês. Fez judô. O futebol veio apenas aos 13 anos. Sua trajetória, rumo ao título mundial de 1998 e à final de 2006, virou caso de estudo na França, como exemplo do filho de imigrantes que, tendo dado certo na vida, virou símbolo de um país em que os conflitos sociais não param de crescer, caldo de cultura para extremistas alucinados como Jean-Marie Le Pen. “Zidane é um dos raros atletas, em todo o mundo, cujo nome suscita mais comentários a respeito de sua personalidade que de seu desempenho no esporte”, diz Gilles Dumas, do SportLab, empresa francesa de pesquisas de marketing. “O homem pesa mais que o jogador de futebol.”

Um levantamento realizado em 2005 pela SportLab apontou os atributos de Zizou diante da opinião pública: discrição, simplicidade, empatia. “Sei que as pessoas têm a impressão de que sou normal como antes, e é isso que lhes agrada”, disse recentemente em uma rara entrevista a uma revista de psicologia (aliás, ele decidiu aceitar o convite da publicação porque é leitura habitual de sua mulher, Véronique, mãe de seus quatro filhos – um deles chama-se Enzo, em homenagem a um atacante uruguaio dos anos 1980, Enzo Francescoli). “Zidane é a estrela planetária que poderia ser nosso vizinho de apartamento”, resume Pascal Boniface, autor do livro Futebol e globalização.

O jeitão boa praça de Zizou – apesar dos 15 cartões vermelhos que levou na carreira – faz dele um garoto-propaganda diferente dos outros. Ele é o anti-Beckham. Os publicitários já não procuram tanto o inglês. O francês parece ser inoxidável. “Zidane é um ícone humanista, e continuará sendo depois de abandonar o futebol”, diz Jacques Bungert, da agência de publicidade Young&Rubicam, responsável por algumas das campanhas do craque. Marie-Christine Lanne, da seguradora Generali, líder na França, faz coro. “Ele inspira confiança, representa o talento e tem algo que poucos têm, a elegância moral.” Por tudo isso, e pelo futebol principesco que apresentou ao mundo em 784 partidas, cabe apenas dizer, com a voz baixa que lhe é peculiar, obrigado, Zinedine Zidane.

8,6 milhões de euros são os rendimentos
anuais de Zidane com salário e marketing