Todo pai sabe o inferno que é levar criança para cortar cabelo. Mas, quando era garoto, o craque do cartum Alcy Linares, 62 anos, ia ao barbeiro do bairro de Moema, em São Paulo, com o sorriso aberto. “É que lá havia um monte de revistas O Cruzeiro”, lembra. Em vez de olhar as figuras, Alcy passava logo para as páginas humorísticas, que traziam o traço crítico de Millôr Fernandes, Péricles e Ziraldo. Aí, o riso se abria ainda mais. Foi rápido o aprendizado: logo, ele estava em O Pasquim, emparelhado com a turma que ainda há pouco via como mito. Na seqüência vieram contribuições em IstoÉ, Movimento, Folha de S. Paulo e todos os veículos que contavam naqueles anos conturbados. Eram os tempos do visual hippie e esquerdista, e o barbeiro – bem, ele foi esquecido por Alcy, que ainda hoje cultiva uma barba branca na “cara de Netuno”, palavras de Paulo Caruso, na apresentação de Alcy, vida de artista (Editora Jacarandá/Devir Livraria, 64 págs., R$ 23), que será lançado na quinta-feira 23.

Exemplos de síntese e sofisticação, os cartuns selecionados datam de 1970 a 1984 – período da mais burra censura – e foram escolhidos pelo próprio autor. “Separei aqueles que achava mais divertidos”, afirma. Estão lá desenhos antológicos, como o algoz descerebrado, rodeado de cabeças decepadas, e alguns censurados, a exemplo do sem-teto improvisando um divã num banco de praça, sob o olhar austero do busto de Freud. Alcy, que hoje se dedica a fazer as crianças rirem com livros infantis, ainda não entende por que os militares implicaram com o cartum, de resto sutilíssimo. “Deve ser porque havia um mendigo.” Vai saber.