Marieta Severo e Andréa Beltrão têm muito o que comemorar: na quinta-feira 23, elas inauguram um novo teatro no Rio, o Poeira, e protagonizam a estréia mundial da versão cênica de Sonata de outono, o aclamado filme do sueco Ingmar Bergman. Por fim, ainda completam 40 e 25 anos de carreira, respectivamente – boa parte deles vividos em regime de comadre. “Temos sintonia, não há desavença entre nós”, diz Marieta, madrinha de Francisco, primogênito de Andréa. “Estamos juntas em tudo, é uma amizade verdadeira”, completa a parceira. Além de trabalhar no seriado A grande família, da Rede Globo, a dupla já colheu ótimos frutos em peças como A estrela do lar e A dona da história. Mas nada comparado à ousadia de construir um teatro. “O sonho começou assim: estávamos conversando sobre como seria bom ter um espaço, escolher o texto com liberdade, poder experimentar…”, lembra Andréa. “Aí compramos uma casa, no ano passado, e começamos as obras sem ter noção do vulto que tomaria”, resume Marieta. Ainda bem, porque se elas soubessem que o sonho iria consumir algo em torno de R$ 1,5 milhão talvez o destino fosse outro. “Iríamos direto para o Pinel”, afirma ela, referindo-se ao hospital psiquiátrico carioca.

Para inaugurá-lo, as duas também não economizaram em ambição. Sonata de outono, de 1978, é um ícone do cinema europeu. Como em tudo que leva a assinatura de Bergman, que completará 87 anos em 14 de julho, este texto é um mergulho de cabeça e olhos fechados nas profundezas da alma humana. Introspectivo e universal, Sonata se debruça sobre um conflitante relacionamento entre mãe e filha. Mas, quando tudo parece que vai explodir, o autor oferece a esperança como possibilidade. Marieta é a mãe, Charlotte
(que no cinema é o papel de Ingrid Bergman), e Andréa é a filha, Eva
(interpretada por Liv Ullman). O elenco se completa com Viktor, o marido
de Eva, personagem de Isio Ghelman. Charlotte abandonou a família para
dedicar-se à carreira de pianista. Depois de sete anos de total distanciamento,
as duas se reencontram num dramático jogo de culpas, ressentimentos, gritos, lágrimas. Importante: a peça não é uma adaptação do filme; é o filme. Ou seja,
todo o texto está preservado na versão teatral.

A obra de Bergman é comumente acompanhada pela palavra “densa”. Sonata é denso, sim, mas não é pesado. Provavelmente, o reduzido tamanho do teatro – 160 metros quadrados e 200 poltronas – ajuda a dar a intimidade necessária para compreender o drama que, no fundo, fala de afeto familiar. Ou, como diz o próprio autor, da “capacidade que temos de cuidar uns dos outros”. A direção de Aderbal Freire-Filho consegue mesclar suavidade com segurança e extrair o máximo de teatralidade do roteiro. “No cinema, o ator vive e a câmera mostra; no teatro, o ator vive e mostra. A ilusão no cinema e no teatro tem naturezas diferentes. No primeiro há uma necessidade maior de imitar o real; no segundo, a fascinante possibilidade de explorar mais a ilusão”, diz ele.

O nome Poeira é uma homenagem aos antigos e populares teatros e cinemas. Mas o espaço de Marieta e Andréa é, como disse a primeira, “a poeira mais caprichada do mundo”. O primeiro ano de funcionamento conta com patrocínio da Eletrobrás e já está quase todo tomado de projetos paralelos, como o Residência Artística ou o Ponte Aérea, comandado por diretores convidados, como Hamilton Vaz Pereira, Amir Haddad, Naum Alves de Souza e José Celso Martinez Corrêa. Que ninguém duvide, Marieta e Andréa vão levantar a poeira do teatro brasileiro.