Aos 80 anos, o célebre cirurgião plásticodiz que quem convive bem com a própriaimagem, como ele, não precisa de bisturi

Um dos mais aclamados cirurgiões plásticos do mundo, Ivo Pitanguy acaba de entrar para mais uma academia. Há 15 anos, se tornou membro
da Academia Nacional de Medicina. Em 1990, se juntou aos imortais da Academia Brasileira de Letras. Agora, tornou-se sócio, junto com o filho Ivo, da Pontal Fitness, uma monumental academia de ginástica e estética no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Nada mais natural para alguém que há tantos anos promove, com seu bisturi, o resgate da beleza de anônimos e famosos, incluindo estrelas como as atrizes Sophia Loren, Gina Lollobrigida e Candice Bergen e a princesa iraniana Farah Diba. No Brasil, operou as atrizes Sonia Braga, Vera Fischer, Suzana Vieira e Glória Pires. Mas nunca ninguém ouvirá o nome das clientes da boca de Pitanguy, um elegante mineiro apaixonado pelo Rio, filho de cirurgião, que fez do sigilo sua marca registrada. Aos 80 anos, completados na quarta-feira 5, ele exibe pleno vigor físico e mental. Ainda faz pesca submarina em sua ilha, em Angra dos Reis, joga tênis e exercita a mente com leitura, escrevendo e fazendo conferências pelo mundo afora. Só este ano, já foi à Rússia e à Alemanha. Na quarta-feira 12, o médico falou a ISTOÉ.

ISTOÉ – O sr. já pensou em passar pelo bisturi?
Ivo Pitanguy

Nunca. O ser humano não tem obrigação de se operar. Quem convive bem com sua imagem, se tolera ou tem um ego condescendente não há por que fazer. Os menos satisfeitos são aqueles que se operaram por imposição de terceiros. Deve-se buscar o tratamento para o próprio bem-estar, e este não é o meu caso.

ISTOÉ – Quais foram as principais inovações criadas pelo sr.?
Ivo Pitanguy

Tenho várias técnicas de redução e aumento da glândula mamária. Há métodos para face, nariz e contorno corporal. Tudo isso está em mais de 900 artigos e 40 livros médicos. O fato mais importante de minha vida médica foi criar a Escola de Cirurgia Plástica, a maior do mundo, com mais de 500 alunos, quatro mil visitantes. Trabalhamos com a noção de qualidade, assim como na Santa Casa de Misericórdia do Rio, onde criei em 1954 uma enfermaria para atender os pobres.

ISTOÉ – O sr. operou Sophia Loren. Como é deparar com uma mulher dessas na sua mesa de cirurgia?
Ivo Pitanguy

Nunca sei quem operei. O médico, antes de ser cirurgião, tem o sentido de que as pessoas são parecidas e por isso não vemos diferença nenhuma. Andei pelo mundo com pessoas importantes, reis e príncipes. No momento de operar quem quer que seja, é preciso tratá-los com a mesma naturalidade dessa nossa conversa.

ISTOÉ – A clínica tem estratégias para fugir aos paparazzi de plantão?
Ivo Pitanguy

Não. As pessoas já sabem se defender bem. Aqui a doméstica
e a princesa têm o mesmo tratamento.

ISTOÉ – Há contra-indicações para o implante de silicone nas nádegas?
Ivo Pitanguy

Não é certamente como a intervenção na mama. A nádega tem uma grande movimentação e o implante pode às vezes mudar de posição. Quando a pessoa não tem quase nada, é uma boa solução. A brasileira tem belas nádegas. Mas, para a pessoa que tem uma bela nádega e quer tê-la tão bonita como a de outra, não há motivo.

ISTOÉ – Há 30 anos, a moda era ter seios pequenos. Hoje é o contrário…
Ivo Pitanguy

Quando havia muita fome, a mulher gorda era um padrão de beleza, porque era uma pessoa que tinha o que comer. A mulher anglo-saxã, hoje mais influente, costuma aumentar a mama e, como essa é uma operação mais simples do que a de redução, ficou mais freqüente.

ISTOÉ – Então foi mais um caso de hegemonia americana…
Ivo Pitanguy

Quando começaram, as próteses provocavam muitos seios endurecidos e as pessoas não faziam tanto. Mesmo assim, quem quase não tinha mama preferia aumentar, porque o seio para a mulher é sinônimo de sensualidade, expressão de sua feminilidade. Com o progresso dos implantes, cresceu a procura e surgiu nos Estados Unidos o ideal da mama gigantesca, que para nós não é bonita. Isso nos influenciou e hoje nossas próteses são um pouco maiores.

ISTOÉ – Sonia Braga declarou recentemente que o sr. refaz as vidas. Como interpreta o comentário?
Ivo Pitanguy

Achei muito bonito e delicado da parte dela. O importante da cirurgia plástica é fazer com que a pessoa se sinta em paz com sua imagem. Se isso acontece, ela estará em paz com o mundo que a cerca e com seu próprio Deus. É extraordinária a sensação de proporcionar bem-estar a alguém.

ISTOÉ – O sr. acha que existe um exagero na busca por cirurgias plásticas?
Ivo Pitanguy

Acho. Há uma procura muitas vezes desnecessária e cabe ao cirurgião sentir se a pessoa terá ou não benefício, em todas as classes sociais. Não há diferença entre as dondocas e as mulheres de baixa renda. Hoje está tudo muito democratizado, o que aumenta a importância de os cirurgiões serem bem treinados, capazes de julgar cada caso. Muitas vezes as pessoas esperam mais da cirurgia do que podemos dar.

ISTOÉ – O sr. já disse a alguma paciente que ela não precisava de plástica?
Ivo Pitanguy

A toda hora. Às quartas-feiras recebo na Santa Casa doentes mais complexos, aqueles que estão bem e não se vêem bem. Isso se chama morfofobia, a fobia da própria forma. O plástico também tem de ser psicólogo.

ISTOÉ – O sr. se recorda de alguma cirurgia cujo resultado o tenha decepcionado?
Ivo Pitanguy

Aconteceram situações em que o doente tinha uma expectativa que eu não tinha condições técnicas de atender e concordei em fazer a cirurgia, por inexperiência. Mas não me lembro de exemplos concretos. O interessante é o aprendizado que fatos como esses proporcionam. Quem me procura achando que vai recuperar o marido depois de uma plástica é bom saber que não vai. Hoje, sempre que sinto na pessoa uma expectativa maior do que eu possa dar, não opero.

ISTOÉ – Por que as brasileiras são tão vaidosas?
Ivo Pitanguy

Em certos locais do Brasil, da Califórnia ou do sul da França, em que as pessoas se expõem, há mais vaidade, porque todos vêem mais o próprio corpo. Quando estão mais abrigadas e escondidas, elas são mais protegidas da imagem, o que é uma pena. A brasileira é linda, com essa mistura de todas as raças. Há um equilíbrio de beleza que não se encontra em outros lugares. Por outro lado, a mídia impôs padrões de beleza que atendem a interesses comerciais. Acho que a beleza é muito mais o direito à normalidade de cada pessoa, dentro de seu próprio biotipo.

ISTOÉ – As mulheres de baixa renda são tão vaidosas quanto as de classe alta?
Ivo Pitanguy

Tem sido importante dar dignidade à cirurgia estética e reparadora para a população carente. O mendigo é igual ao rei em relação à sua imagem. Percebi que o ser humano é o mesmo ao conviver com pessoas de vários níveis sociais e hierarquias de poder. Talvez a percepção da necessidade social da cirurgia plástica tenha sido um dos fatores mais importantes em meu trabalho, assim como transmitir isso a outros profissionais.

ISTOÉ – Têm aumentado muito os preenchimentos como alternativas à cirurgia. São opções que resolvem?
Ivo Pitanguy

Há produtos que ajudam muito e é nítida, por exemplo, a diferença da pele de uma camponesa daquela de uma mulher tratada. Antes esses métodos não eram tão freqüentes, pela qualidade inferior do material. São procedimentos como a aplicação de botox, muito interessantes quando bem utilizados. Muitas rugas que antes eram operadas podem ser tratadas com botox. Mas é preciso cuidado. Há preenchimentos condenáveis, como o de silicone líquido, que não empregamos na clínica. É importante saber que substância será injetada antes de usá-la.

ISTOÉ – Os homens estão procurando mais a cirurgia plástica?
Ivo Pitanguy

A procura tem crescido bastante. Acho que, depois de a mulher ter entrado no mercado de trabalho, o homem passou a se permitir a própria fragilidade, a ter direito ao seu corpo. Agora a sociedade não condena mais que ele se cuide.

ISTOÉ – O que o sr. acha de operar adolescentes, que ainda não estão totalmente formadas?
Ivo Pitanguy

Elas têm tanto direito quanto qualquer um. Quem tem um nariz grande, por que vai aturar aquilo a vida inteira? Se não tem mama nenhuma, ou tem muito grande, por que conviver com a deformidade? Mas, se tiver uma mama bonita e quiser apenas aumentar um pouco, quem sabe não falta maturidade para essa indagação? A adolescente que está gordinha não tem de fazer lipo, mas voltar ao seu peso.

ISTOÉ – O sr. mora há 40 anos na Gávea, perto da Rocinha. Os tiroteios não o incomodam?
Ivo Pitanguy

Morar perto da Rocinha é muito bom porque temos a proteção dela. Me acostumei com os tiroteios, misturados aos fogos de artifício. O ser humano tem uma capacidade de adaptação enorme, gosto muito dali e nunca pensei em me mudar. A questão da droga é um problema mundial, mas aqui, geograficamente, o governo, por questões eleitorais, deu muitas locações indevidas. O único que soube tratar com coragem o problema das favelas foi o Carlos Lacerda, que governou o antigo Estado da Guanabara.

ISTOÉ – O sr. tem medo da morte?
Ivo Pitanguy

Li, uma vez, que quando ela está, eu não estou. E quando eu estou, ela não está. Então não há razão para medo.

ISTOÉ – Como o sr. chegou aos 80 anos com essa saúde, em plena atividade profissional?
Ivo Pitanguy

O que fiz a vida inteira foi dar a cada momento a sua importância total, vivê-lo com intensidade e procurar tirar dele o que podia ser mais construtivo. Um pouco de equilíbrio ajuda, assim como um pouco de loucura. O equilíbrio exagerado retira a percepção dos fatos e a vida é muito surrealista. Nem sabia que estava chegando aos 80. Para mim, foi estranhíssimo, nunca contei os anos, o importante é ter alegria com o momento que se vive. Os anos não têm a menor importância. É indispensável ter modéstia para viver a vida com dignidade, assim como sentir o respeito pelo outro, qualidade que aprendi com minha mãe.

ISTOÉ – Quais seriam esses momentos de alegria?
Ivo Pitanguy

A principal é ter tido a sorte de fazer uma coisa de que gosto, com amor e empenho, sem que seja um fardo. Mas é preciso que eu me cerque de certos cuidados porque não sou o mesmo de 20 anos atrás. A experiência e a sabedoria de vida ajudam a encontrar esse equilíbrio.

ISTOÉ – Que cuidados o sr. toma para manter a forma física e a excelente memória?
Ivo Pitanguy

Hoje de manhã joguei tênis com Marilu, minha mulher há 50 anos, na mesma casa em que moro há 40 anos, onde construí uma quadra. Tenho quatro filhos e cinco netos que me ajudam a manter o equilíbrio. A memória tem de ser exercitada como um músculo e eu faço isso lendo, escrevendo e trabalhando muito.