Quem associa moda a frivolidade precisa rever os conceitos. Não apenas porque o mercado que lida com a estética revela códigos de comportamento e tem importância na história das sociedades, mas porque é, hoje, um dos setores mais expressivos da economia do Brasil. Trata-se, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), do mercado que mais emprega mulheres no País e do segundo maior gerador de empregos, atrás somente da indústria de bebidas e alimentos. São ao todo 30 mil empresas e 1,5 milhão de empregos diretos, num setor que só no ano passado faturou US$ 25 bilhões (quase R$ 62 bilhões). Carro-chefe de tamanha pujança, a São Paulo Fashion Week – que acontece entre os dias 28 de junho e 4 de julho – e o Fashion Rio – que começou na terça-feira 14 e termina no domingo 19 têm muito o que comemorar.

Na semana que vem, a São Paulo Fashion Week (SPFW), cujas edições movimentam, cada uma, R$ 1 bilhão em vendas de atacado, entra no seu décimo ano. E, com ela, apagam dez velinhas não apenas o diretor do evento, Paulo Borges, que teve o mérito de organizar um setor até então caótico no País, mas estilistas, modelos, maquiadores, produtores e outros tantos profissionais. “Se não tivéssemos criado um calendário oficial, talvez a Shirley Malmann ainda estivesse trabalhando numa fábrica de sapatos no Sul do País e a Gisele Bündchen, quem sabe, estivesse estudando arquitetura ou direito”, comenta Borges. “Durante 40anos, o Brasil teve apenas quatro tops de renome internacional: Dalma, Beth Lago, Beth Prado e Gisele Zelaue. Hoje temos uma seleção brasileira de modelos”, completa.

Entre as artilheiras do time, estão a tops Isabeli Fontana, Ana Cláudia Michels e Fernanda Tavares. Convidadas por ISTOÉ a apagar as velhinhas da década que marcou a moda brasileira, essas três beldades, como outras tantas “ronaldinhas da moda”, cresceram junto com a São Paulo Fashion Week. Isabeli, 21 anos, a morena dos olhos azuis que na página anterior veste o macacão de seda da nova coleção de Fause Haten, desfila desde o primeiro ano do calendário e é hoje um dos rostos mais badalados do mundo. Ganha até R$ 50 mil por desfile e cerca de 300 mil euros (quase R$ 1 milhão) por campanha publicitária.

Ana Cláudia, 24 anos, a loira exuberante que veste o vestido floral de Waldemar Iodice, é sua colega da Mega, a única agência brasileira que se tornou uma multinacional. Com 150 modelos e com filiais nos Estados Unidos e no México, deve, até o final do ano, estar também no Japão e na China. Todo esse sucesso, claro, está intimamente ligado à obsessão adolescente em alcançar a carreira de modelo, outro indício do quanto a moda faz parte do imaginário das pessoas. Não por acaso, no último concurso de talentos da Mega o número de inscritos chegou a um milhão. O fato, segundo Eli Wahdbe, um dos donos da agência, “é inédito no mundo e digno do Guiness”.

Articulada como poucas de suas colegas de passarela, a top Fernanda Tavares,
da agência Marilyn, chama atenção para o fato de o sucesso das modelos
brasileiras no Exterior e a visibilidade da SP Fashion na moda internacional terem andado juntos. “É uma via de mão dupla. A Fahion Week ajudou a mostrar nossa beleza para o mundo, assim como a nossa beleza chama atenção para o talento da Fashion Week”, diz. Durante a próxima edição da SPFW, a bela, ao lado de Ana Cláudia, Isabeli, Gisele Bündchen e mais 20 top models brasileiras, será fotografada por Bob Wolfenson num ousado calendário que será lançado em Paris, no final do ano. “Serão 24 tops brasileiras, em 12 folhinhas. Uma espécie de calendário Pirelli, nacional”, adianta Borges.

O tal calendário será apenas uma das surpresas da 19ª São Paulo Fashion Week, que apresentará as românticas e coloridas coleções de primavera-verão 2006. Uma exposição com fotos históricas de Otto Stupakoff, outra com as roupas e imagens que marcaram a década e 52 desfiles (sendo um deles o da grife inglesa Basso & Brooke, convidada especial desta edição) prometem chacoalhar o prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. O local sedia a SPFW desde que o evento deixou de se chamar Morumbi Fashion, em janeiro de 2001.

A mudança de nome se deu por causa da imprensa internacional. Quando as nossas belas modelos e os nossos estilistas (liderados por Alexandre Herchcovitch, em 1999) passaram a desfilar fora do País, os jornalistas foram por conta própria rebatizando o evento. Afinal, a pronúncia do nome Morumbi, para eles, não fazia o menor sentido e era bem difícil. De lá pra cá, a quantidade de ensaios, matérias e editoriais com a moda brasileira só aumentou. Também pudera, a cada edição pelo menos 150 jornalistas e compradores vêm para o Brasil. Entre eles estão a jornalista Marie Pointurier, correspondente da Vogue francesa em Nova York e a empresária americana Carol Lam, dona de uma badalada butique nova-iorquina, a Opening Ceremony. Para Marie, a moda brasileira, pelo menos no que se refere à cobertura jornalística, atingiu patamares antes exclusivos a Paris, Milão, Nova York e Londres. “Não dá pra fechar uma edição de moda primavera-verão sem falar do Brasil”, diz. Carol endossa do ponto de vista comercial. Compra, desde 2003, 600 peças, por temporada – leia-se, a cada seis meses –, de estilistas brasileiros para vender em sua loja. “E vendo tudo.” Entre os cliente assíduos da sucursal brasileira da Openning Ceremony estão famosos do porte de Björk, Gael Garcia Bernal, Natalie Portman e Marisa Tomei.

Na opinião da consultora de moda Costanza Pascolato, se a Europa e os Estados Unidos se encantaram com o Brasil até agora, daqui para a frente se supreenderão ainda mais. “Vivemos tanto tempo privados das tendências internacionais que, depois dessa abertura de mercado, queremos abraçar o mundo”, analisa. “A semana de moda de Milão demorou 30 anos para se consolidar. Proporcionalmente, em dez anos, já fizemos muito mais.” A moda brasileira é coisa séria.

Maquiagem: Edilson Ferreira/BLZ
Agradecimentos: Regina Rodrigues, Cake Designer, (21) 22753320
e La Gemme Antiguidades.