Há enfermidades que causam
uma espécie de cataclismo no corpo.
Geram eventos tão variados que
requerem muito esforço para que o
organismo não sucumba à sua ação
múltipla. Nessa situação se enquadra a diabete, mal caracterizado pela dificuldade de absorção da glicose (açúcar) pelas células, resultando em excesso da substância na circulação sangüínea. Isso é provocado pela deficiência na produção ou ação do hormônio insulina, responsável por “abrir” as portas das células para a entrada da glicose. No mundo, calcula-se que 194 milhões de pessoas sofram do problema, dos quais 11 milhões são brasileiros. Esses indivíduos não conseguem converter adequadamente o alimento em energia, conseqüência direta da disfunção. Mas não é só isso. Se ela não for controlada, pode abalar a saúde dos vasos sangüíneos, do coração, dos olhos, dos pés e facilitar a ocorrência de outros problemas, como a impotência. É vital, portanto, que o diabético controle a enfermidade.

O desafio não é simples. Descrita pela primeira vez pelo médico Areteu da Capadócia (Grécia) por volta de 70 d.C., a diabete é uma doença complexa que envolve processos bioquímicos, alguns até hoje pouco esclarecidos. Além disso, a doença está dividida em três formas. Uma é a gestacional porque ocorre na última fase da gravidez devido a alterações hormonais. Em geral, desaparece após o nascimento do bebê. A do tipo 1 é uma doença auto-imune. O organismo não reconhece as células beta, responsáveis pela produção da insulina, e o sistema de defesa as destrói. Sem elas, é preciso fazer a reposição da insulina. A do tipo 2 está associada ao estilo de vida, principalmente à obesidade. Comer com exagero eleva a quantidade de glicose no corpo, que é obrigado a liberar mais insulina. Isso pode levar a uma sobrecarga desse mecanismo e dificultar a fabricação do hormônio.

Apesar dessa complexidade, a medicina desvenda formas de inibir os agentes que contribuem para agravar o mal. Parte dos avanços foi apresentada na semana passada durante o 65º Congresso da Associação Americana de Diabetes (ADA), na Califórnia. Entre as descobertas divulgadas destacaram-se estudos com remédios de novíssima geração que vão além do objetivo primário. Os produtos controlam a glicemia (taxa de açúcar no sangue) e ainda ajudam a corrigir o colesterol alterado, e, em determinados casos, emagrecem. Foi o que ocorreu com o exenatida, primeira droga de uma linha promissora a chegar ao mercado, à dos miméticos de incretina (ou GLP1). Trata-se de uma substância injetável similar ao hormônio incretina, que reduz a produção de glicose e estimula a secreção de insulina em resposta à ingestão de alimento. O GLP1 também promove a sensação de saciedade.

Peso – Uma pesquisa internacional que durou 82 semanas e envolveu 265 pacientes revelou que o produto, usado duas vezes por dia e acrescido a um esquema medicamentoso convencional, melhorou a glicemia, aumentou a porção boa do colesterol (HDL) e promoveu uma redução de peso de 4,6 quilos, em média. No braço brasileiro do estudo, que acompanhou 21 pessoas, a média foi de cinco quilos. “É um caminho entusiasmador”, afirma a endocrinologista Rosa Maria Vargas, do Centro de Diabetes de Curitiba. No Ceará, a endocrinologista Adriana Costa e Forti também acompanhou pacientes. “A perda de peso foi a conquista mais comemorada entre eles”, diz. Por enquanto, o exenatida, do laboratório Eli Lilly, está sozinho no mercado. Mas há outro remédio do gênero em estudo, que pode ser liberado em 2007. É o liraglutide, do Novo Nordisk.

Também foram discutidos os efeitos de uma droga contra a síndrome metabólica, uma combinação de alterações que eleva o risco cardíaco e aumenta os perigos da diabete do tipo 2, como colesterol alto e hipertensão. Uma de suas características é a gordura acumulada na cintura, a que mais ameaça a saúde. “Há de 90 a 100 substâncias nessa gordura. Entre elas, estão algumas que fazem o corpo resistir à insulina”, diz o médico Alfredo Halpern, da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Se uma pessoa tem a síndrome, estima-se que o risco de desenvolver diabete seja aumentado em cinco vezes. Daí, a necessidade de lutar contra ela. Criado pelo laboratório Sanofi-Aventis, o rimonabant promete ajudar, diminuindo a circunferência da cintura. Agora, um estudo com 1.045 pacientes durante um ano sugere que a droga, que pode ser lançada em 2006, reduz a glicose e melhora o colesterol. Há mais um composto para diabéticos do tipo 2 prestes a ser lançado. É o muraglitazar, da Bristol-Myers Squibb e Merck. Segundo pesquisas, a droga melhorou o nível de HDL e reduziu os triglicérides (outro tipo de gordura).

Na linha das insulinas, uma das novidades mais aguardadas é a inalável. São produtos de ação rápida usados antes das refeições. O spray lembra os utilizados contra a asma. Para quem tem de tomar picadas cinco vezes por dia, padrão comum, a diminuição para duas (de manhã, em jejum, e à noite) alivia. “Ela facilita a adesão ao tratamento”, observa o médico Antônio Chacra, da Universidade Federal de São Paulo. Um dos pontos críticos é a suspeita de que comprometa as funções pulmonares. No entanto, estudos apresentados no encontro parecem acabar com o receio. Possivelmente, o primeiro spray com insulina a entrar no mercado brasileiro – há mais três produtos do gênero em pesquisa – seja o Exubera, da Pfizer e da Sanofi-Aventis. Outro trabalho, feito em Israel, revelou mais um caminho: o adesivo de reposição. Ele propõe o uso de um aparelho que abriria microcanais na pele por meio de radiofreqüência. Sobre a área, seria colocado um patch que liberaria a insulina. Mas a pesquisa é inicial.

Reconstrução – Fora do campo dos remédios, uma das maiores esperanças está na terapia com células-tronco, estruturas que se transformam em qualquer célula. Em Ribeirão Preto (SP), sete diabéticos do tipo 1 se submeteram a uma pesquisa iniciada no campus local da Universidade de São Paulo. “Como a diabete do tipo 1 é uma doença auto-imune, tentamos reconstruir o sistema imunológico para que ele não ataque mais as células beta”, explica Júlio Voltarelli, da USP. Cinco voluntários não fazem mais aplicações de insulina. Para um, não houve alterações. O sétimo se recupera do tratamento, feito há cerca de 15 dias. “Não sabemos se o benefício é permanente. Por isso, não falamos em cura”, diz o médico. Outra promessa são os transplantes de ilhotas pancreáticas.

Com avanços como esses, seria natural esperar que o controle da doença estivesse melhor. No entanto, estamos longe disso. Por isso, deve-se trabalhar na prevenção. “Quem reduz 5% do peso e faz exercícios três vezes por semana diminui o risco de se tornar diabético em 58%”, informa Leão Zagury, presidente da SBD. Estar atento aos riscos e sinais de que algo está errado é outra medida. “No diagnóstico, 20% dos diabéticos já apresentam complicações. E, quando se fala apenas dos portadores do tipo 2, esse índice sobe para 50%”, alerta o especialista Freddy Eliaschevitz, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Difundir a informação também é alternativa. É o que vem acontecendo na série Malhação, da Rede Globo, voltada para os adolescentes. O tema deste ano é saúde e o personagem Gustavo (Guilherme Berenguer) tem diabete e está aprendendo a se cuidar. “É uma oportunidade de discutir a doença e mostrar que é possível levar vida normal”, afirma Ricardo Hofstetter, autor do seriado.

A repórter viajou a convite do laboratório Eli Lilly