A secretária Fernanda Karina
Somaggio está assustada. Na
tarde da terça-feira 14, ela deixou
de ser uma cidadã comum para se tornar personagem conhecida nacionalmente. Karina foi apresentada para todo o País em uma reportagem de dez páginas da revista ISTOÉ Dinheiro, que a colocou na condição de primeira testemunha capaz de apontar parte da origem do dinheiro usado no mensalão parlamentar denunciado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). “Minha vida virou um inferno”, disse Karina ao jornalista Leonardo Attuch horas depois de a revista circular. Na conversa, gravada, Karina não se referia apenas ao previsível assédio que passou a sofrer, mas basicamente às pressões que enfrenta desde setembro do ano passado, quando concedeu uma primeira entrevista a ISTOÉ Dinheiro.

Na ocasião, muito antes de Roberto Jefferson trajar a beca de paladino da moralidade, essa mineira de 32 anos, moradora de um bairro de classe média em Belo Horizonte, ex-secretária do publicitário Marcos Valério, posou para fotografias e afirmou com todas as letras, entre outras coisas, que:

1) O tesoureiro do PT, Delúbio Soares, fazia negociatas em parceria com Valério e que da agência SMP&B saíam malas de dinheiro.
2) No final de 2003, R$ 100 mil foram entregues ao irmão do então ministro dos Transportes, Anderson Adauto.
3) Delúbio e o deputado José Mentor (PT-SP) usavam jatinhos do Banco Rural, que foi poupado no relatório da CPI do Banestado, cujo responsável era o próprio Mentor.
4) Eram constantes as reuniões de Valério com a cúpula do PT em diversos hotéis de São Paulo, Brasília e Belo Horizonte.
5) Valério pagou viagem aérea e hospedagem para a secretária do ex-presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP).
6) Um boy da empresa chegou a sacar R$ 1 milhão do Banco Rural para que Delúbio e Valério fizessem vários pagamentos em Brasília.
7) Houve um pagamento de R$ 150 mil para Pimenta da Veiga, ex-ministro
das Comunicações no governo de Fernando Henrique Cardoso, divididos
em duas contas.

Na ocasião da entrevista, o publicitário Valério era tão anônimo quanto Karina e as denúncias feitas por ela passaram a ser investigadas pela revista, antes de qualquer publicação. Mesmo assim, o publicitário tomou conhecimento do que fora narrado pela secretária e partiu para o ataque. “Ele teve acesso a e-mails meus”, disse a secretária. Karina, então, recebeu telefonemas ameaçadores e em outubro Valério foi à Justiça mover um processo contra a ex-secretária, dizendo-se vítima de extorsão, em processo que tramita na 6ª Vara Criminal de Belo Horizonte. Assustada com a possibilidade de vir a ser condenada, Karina depôs em 20 de maio último e disse não saber de nada desabonador sobre o ex-patrão.

Quando as denúncias de Roberto Jefferson se tornaram públicas, Karina voltou a procurar a reportagem de ISTOÉ Dinheiro. Em nova entrevista, também gravada, ela reafirmou tudo o que dissera em setembro e acrescentou detalhes, como os nomes dos hotéis onde o ex-patrão costumava se reunir com a cúpula petista e datas desses encontros. Para comprovar o que dizia, encaminhou via fax algumas páginas de uma agenda na qual registrava os encontros do patrão.

Novas pressões – Na terça-feira 14, quando o deputado Roberto Jefferson anunciou na Comissão de Ética da Câmara que a entrevista seria publicada, Karina voltou a sofrer pressões. Quando a revista estava sendo impressa, ela entrou em contato com a redação de ISTOÉ Dinheiro tentando impedir a publicação. “Eu não tenho provas, só a agenda”, disse. “Eles vão vir com os dois pés no meu peito. Todo mundo virá atrás de mim. A gente vive em um país onde quem manda é quem tem dinheiro e eu vou passar por mentirosa, pois tive que dizer ao juiz que não tinha nada contra o Valério.” Após a publicação da reportagem, a pressão ficou ainda mais forte. Na quarta-feira 15, Karina foi à Polícia Federal em Belo Horizonte e prestou um depoimento de aproximadamente três horas, sem a presença de procuradores da República.

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No depoimento, Karina acabou negando parte do que dissera à revista. Negou, por exemplo, ter visto malas de dinheiro saírem da agência. Mesmo assim, apresentou sua agenda. Ela saiu do depoimento sem falar com os jornalistas que a aguardavam, mas o delegado Ricardo Amaro, assessor de imprensa da PF em Minas Gerais, declarou que a agenda nada comprovava e que não haveria motivos para iniciar uma investigação. Não é verdade. Na agenda entregue pela secretária estão as cópias de alguns fac-símiles, entre eles uma ordem de pagamento ao BMG em que a agência de Valério pede que seja feito depósito de R$ 150 mil para Pimenta da Veiga, R$ 100 mil em uma conta no Bradesco e R$ 50 mil em outra conta no Banco Rural. Depois do depoimento, Karina voltou a fazer contato com o jornalista Leonardo Attuch: “Estou com medo. A porta de casa está cheia de gente e vou passar a ser vista como mentirosa.”

Estratégia de defesa – Karina, que atualmente é secretária da Geosol – Geologia e Sondagens, em Belo Horizonte, tem medo de ser condenada no processo de extorsão e negar parece fazer parte do que declarou à revista faz parte de sua estratégia de defesa. Para se manter fiel ao que disse em maio na 6ª Vara Criminal, é possível que ela mantenha essa mesma estratégia na CPI e na Comissão de Ética da Câmara. Mas tudo o que ela disse nas entrevistas concedidas a ISTOÉ Dinheiro vem sendo confirmado.

A secretária de João Paulo Cunha (PT-SP), Silvana Japiassú, afirmou, na tarde da quarta-feira 15, que recebeu, de Marcos Valério, para ela e para sua filha, passagens aéreas e hospedagem no Rio de Janeiro. O Banco Rural confirma os saques em dinheiro, mas não pode informar a destinação dada aos recursos. O ex-ministro Pimenta da Veiga também não negou ter recebido recursos da SMP&B, embora tenha explicado que o dinheiro era referente a prestação de serviços de advocacia realizados depois de ter deixado o
Ministério das Comunicações. Por fim, a assessoria de imprensa do ex-ministro Anderson Adauto também confirmou o pagamento. Explicou que se tratava de um acerto de contas, uma vez que a SMP&B trabalhou na campanha de Adauto à Prefeitura de Uberada em 2004.


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