O líder do PP na Câmara, deputado
José Mohamed Janene (PR), 50 anos,
é a unha encravada do maior escândalo
de corrupção do Congresso brasileiro.
Pivô da denúncia do “mensalão”, a mesada
de R$ 30 mil com que a cúpula do PT
molharia a mão de parlamentares amigos, Janene desponta como um milagre de ressurreição econômica justamente no período crítico da propina. Em 1998, quando se elegeu deputado pela segunda vez, ele declarou à Justiça Eleitoral do Paraná um patrimônio de R$ 900 mil, que se tornou indisponível numa ação de improbidade administrativa em seu reduto do norte paranaense que levou à cassação do prefeito de Londrina, Antônio Belinatti. Pouco antes de Lula subir a rampa do Planalto, no final de 2002, as finanças de Janene desceram ainda mais a ladeira: suas empresas – Pedagógica Livraria e Editora, Transamérica Comunicação e Iluminação, Urubalux Urbanismo e Construção, Indústria de Calçados Danielle e JJ Exportação e Importação – declararam rendimento zero à Receita Federal. Não bastasse isso, Janene passou a acumular, em quatro processos de sonegação fiscal que se arrastam até hoje, uma dívida de mais de R$ 15 milhões junto à Receita Federal.

Curiosamente, nos dois primeiros anos do governo Lula, que coincidem com a idéia milagrosa do mensalão denunciado pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, Janene desencravou da miséria. Documentos obtidos por ISTOÉ em cartórios, órgãos oficiais e sindicatos rurais no Paraná mostram que Janene e sua mulher, Stael Fernanda, viraram proprietários em 2003 e 2004 de uma dezena de fazendas, imóveis e uma frota de carros importados avaliados em cerca de R$ 7 milhões. O casal amealhou tudo isso ganhando, junto, R$ 200 mil anuais, média mensal de R$ 16,5 mil – pouco mais do que meio mensalão. Nesta fantástica engenharia financeira não estão incluídas outras jóias de seu patrimônio: rebanhos de gado e ovinos, safras de soja e a mansão de R$ 2 milhões, ainda em construção, encravada no Royal Golf, um elegante condomínio fechado na zona mais elegante de Londrina, onde é vizinho, entre outras personalidades endinheiradas, do locutor global Galvão Bueno. Despreocupado em esconder a disparidade de seu vasto patrimônio diante de seus rendimentos, Janene começou a se exibir. Passou a revelar uma paixão incontrolável por carros importados: a exemplo do juiz Lalau, que tinha mania de comprar Porsches, o líder Janene mostrou-se fissurado em carros e jipes importados, como Audi, Pajero e Cherokee.

Num espaço de dez dias, em dezembro de 2003, Janene e a mulher compraram três carrões. No dia 2, um Mitsubishi de R$ 83 mil (quase três mensalões). No dia 4, um Audi alemão A4, pelo preço de R$ 173 mil (quase seis mensalões). E no dia 12 um Audi A3 no valor de R$ 65 mil (pouco mais de dois mensalões). Comprou tudo isso para não ficar a pé, porque neste mesmo ano só tinha comprado uma picape Chevrolet S10 Executive por R$ 74 mil (dois mensalões e meio), em fevereiro, e uma picape Ford F-350 por R$ 48 mil (um mensalão e meio), em setembro. No ano, somando suas aquisições sobre rodas, Janene gastou R$ 446 mil, quase 15 mensalões, o suficiente para sustentar durante um mês uma bancada como a do PDT (14 deputados). Só de prestação, para quitar tanta máquina, o esperto Janene pagava por mês R$ 10.600 – quase um salário de senador, sem mensalão.

Terra roxa – As caminhonetes já evidenciavam um viés rural do casal Janene.
Neste biênio 2003-2004, de acordo com os cartórios do norte do Paraná, o casal Janene comprou 11 fazendas – média de uma a cada dois meses. Na região de Londrina, capital da terra roxa, um dos pedaços de terra mais valorizados do País,
as propriedades foram avaliadas em pelo menos R$ 7 milhões. As escrituras mostram que sete das 11 fazendas estão registradas em nome da mulher, Stael Fernanda. A maior delas, a Fazenda Marília, com 82,38 alqueires paulistas (200 hectares), foi adquirida no dia 7 de novembro de 2003 na região de Londrina, pelo valor declarado de R$ 601 mil (20 mensalões, suficiente para manter as bancadas somadas do PCdoB, PV, Prona e PSC). Mas, segundo o Sindicato Rural de Londrina, levando em conta a cotação mínima do alqueire (R$ 20 mil) na região, o preço verdadeiro da fazenda seria de R$ 1,6 milhão (53 mensalões, o que daria para pagar a mesada de quase toda a bancada do PP de Janene, com 55 deputados). Neste mesmo dia, a insaciável dona Stael, que ganha a vida como dedicada dona-de-casa, sem direito a nenhuma mesada, comprou duas propriedades, somando 20 alqueires (48 hectares), avaliadas em R$ 400 mil (13 mensalões), na cidade de Tamarana, no norte paranaense.

Em família – Quatro meses antes, no dia 4 de julho, ela comprara outras três propriedades, num total de 72,3 alqueires (173 hectares), avaliados em R$ 1,4 milhão (46 mensalões, o suficiente para sustentar um Janene durante quase todo um mandato de quatro anos). Neste mesmo dia, por pura solidariedade, o marido Janene adquire do mesmo proprietário quantidades iguais de terra, no mesmo valor, em lotes vizinhos ao da mulher – dobrando o latifúndio em nome da família. Insatisfeito, Janene comprou outras duas propriedades nas redondezas de Londrina, no valor de R$ 750 mil, entre o final de 2003 e outubro de 2004. Apesar de subavaliar o preço pago pelas terras, dona Stael conseguiu uma proeza matemática: aumentou seu rendimento de 2002 para 2003, declarado ao Fisco, de R$ 526 mil para R$ 1,797 milhão – ou seja, mais do que triplicou seus ganhos, pendurada apenas no mensalão do marido. Esta diferença ela explicou à Receita como dívidas de R$ 800 mil pela soja produzida na fazenda Marília, que lhe custou R$ 600 mil. Outros R$ 300 mil ela justificou como dívida a um dirigente nacional do Partido Social Cristão (PSC), Afonso Bernardo Schleder de Macedo, candidato derrotado a vereador em Curitiba. Tudo isso, segundo técnicos da Receita, caracteriza crime de sonegação fiscal – mais uma unha encravada no dedão dos Janene.

O líder do PP tinha um olho certeiro no campo e outro na cidade. Ex-dono de uma empresa de iluminação pública de Londrina, eletrocutada no escândalo de corrupção que cassou o prefeito Belinatti, Janene passou a ajudar uma empresa parecida do irmão, Faiçal Jannani, que agora tem o nome de Visatec. Especializada em obras de infra-estrutura e iluminação pública e em agradar a administrações petistas, a Visatec cuida hoje do lixo de Santo André e dos postes de Londrina. E mostrou habilidade, também, em cultivar amigos na horta das estatais: Luiz Eduardo Lucena, na diretoria comercial do IRB; Paulo Roberto Costa, na diretoria de abastecimento da Petrobras e Dimas Fabiano Toledo, na diretoria de Engenharia; e Construção de Furnas, entre outros.

Malha fina – A safra generosa do mensalão rendeu lucros também aos prepostos do deputado. Um deles, o primo Meheiden Hussei Jannani, caiu no mês passado na malha fina do Leão, que descobriu R$ 290 mil incompatíveis com seus rendimentos. Embora lotado na Câmara dos Deputados, em Brasília, o primo mora em Londrina. O assessor parlamentar de Janene, João Cláudio Carvalho Genu, também viveu um período de prosperidade. Apesar de receber rendimentos de R$ 80 mil no ano de 2004, João Cláudio, que já possuía uma casa de R$ 500 mil no setor de mansões da ParkWay, em Brasília, conseguiu comprar no dia 6 de agosto passado, por R$ 250 mil, um apartamento na região Sudoeste, uma das mais valorizadas do Distrito Federal. O discreto João Cláudio deverá ser uma das estrelas da iminente CPI do Mensalão, a ser verdadeira a inconfidência de alguns parlamentares sobre suas ligações com o tema. O ex-secretário-geral do PP, Benedito Domingos, ex-vice-governador de Brasília, disse que o rateio do mensalão seria feito no apartamento de Janene, no bloco B da Superquadra 311, onde vivem os deputados. Além do apartamento, outros dois pontos de pagamento seriam usados: a sala da liderança do PP e a sala da Comissão de Minas e Energia, integrada pelo deputado João Pizzolatti (PP-SC), unha e carne com Janene.

Na versão de políticos mais informados, o mensalão era um luxo de poucos: saía de estatais, pelas mãos generosas dos diretores sagrados pela base aliada, e aportava em escritórios de fachada em São Paulo. Um mensageiro de luxo embarcava toda segunda-feira em Brasília para buscar uma bolsa recheada, em espécie, na capital paulista. A lenda atual em Brasília diz que este boy de luxo seria João Cláudio. Ele ri e desdenha da suspeita: “De fato, eu viajo toda segunda para São Paulo. Mas é para acompanhar Janene, que sofre de miocardite aguda, usa um desfibrilador e vive risco permanente de morte súbita. Ele precisa de um amigo ao seu lado para acompanhá-lo.” João Cláudio nega-se a dizer que médico ou clínica merece tanta preferência de Janene. Este é um mistério que só a CPI poderá revelar. “Não tenho medo da CPI. Estou tranqüilo”, diz João Cláudio. Afinal, Janene não toma tantos cuidados para cuidar de uma simples unha encravada.