70 anos sem Carmen Miranda: por que a "Pequena Notável" ganhou fama internacional?

70 anos sem Carmen Miranda: por que a "Pequena Notável" ganhou fama internacional?

"CarmenHá exatos 70 anos, em 5 de agosto de 1955, o mundo perdia a cantora e atriz Carmen Miranda. Portuguesa de nascimento e brasileira de coração, ela gravou discos, rodou filmes em Hollywood e foi ícone da moda.Partiu de Amaro a ideia de apelidar a pequena Maria do Carmo Miranda da Cunha de Carmen. A inspiração veio da ópera homônima do compositor francês Georges Bizet, uma de suas favoritas. "Morena como uma espanhola”, gostava de repetir o tio coruja, irmão de sua mãe, Maria Emília.

Os outros apelidos famosos, A Pequena Notável e The Brazilian Bombshell ("A Granada Brasileira", em tradução literal, mas figurativamente "sex symbol"), foram dados pelo locutor brasileiro César Ladeira e pelo jornalista americano Earl Wilson, repórter do jornal Daily News, respectivamente.

No caso de A Pequena Notável, o mais famoso deles, há duas versões para o apelido: uma afirma que pequena era sinônimo de garota, a outra defende que o adjetivo tinha a ver com sua baixa estatura: 1,52 metro de altura.

Por essa razão, Carmen gostava de usar saltos plataformas (de impressionantes 20,5 centímetros!) e turbantes recheados de frutas tropicais (de quase 3 quilos!) – duas de suas marcas registradas.

Carmen Miranda nasceu no dia 9 de fevereiro de 1909. Cinquenta e oito anos depois, naquele mesmo dia, nascia o cantor Edson Cordeiro, um admirador confesso. Ainda menino, ele ouviu a marchinha Alô Alô? (1933), de André Filho, na voz de Maria Alcina, e não esqueceu mais. "Fiquei encantado", admite.

Dias depois, assistiu a um de seus filmes na Sessão da Tarde: a comédia Morrendo de Medo (1952), estrelada por Jerry Lewis e Dean Martin. "Foi apenas uma participação. Mas seu número não saiu da minha cabeça”, recorda.

Em 2009, por ocasião do centenário da estrela, Edson Cordeiro teve a ideia de montar um espetáculo em sua homenagem e saiu em turnê por Portugal.

Este ano, apresenta o show Edson Cordeiro Canta Carmen Miranda pela primeira vez no Brasil. "Quando canto Taí, a plateia toda canta comigo. Gravada em 1930, foi o primeiro hit da Carmen. Que outra artista brasileira conseguiu esse feito?", indaga Cordeiro.

À frente do seu tempo

Foi no Carnaval de 1930 que Carmen Miranda, então com 21 anos, lançou um de seus maiores sucessos: Pra Você Gostar de Mim, de Joubert de Carvalho. Em um mês, o disco vendeu 35 mil cópias. Mais conhecida por Taí, é um dos pontos altos do espetáculo Aquele Abraço, do Roxy Dinner Show, no Rio de Janeiro.

Quem interpreta Carmen Miranda no musical é Daruã Góes. Além de Taí, Góes solta seu vozeirão de soprano em outros clássicos do repertório da diva, como Mamãe, Eu Quero (1939), de Vicente Paiva e Jararaca, e O Que É Que a Baiana Tem? (1939), de Dorival Caymmi.

"Carmen se tornou a primeira artista a ter contrato de exclusividade com uma rádio, a Mayrink Veiga. Ganhava o mesmo que os homens", afirma o jornalista Leonardo Bruno, roteirista do espetáculo. "Teve impacto na sociedade machista da época. Era considerada uma mulher ‘avançada' porque falava palavrão, contava piada e usava maiô. Quando foi para os EUA, já era uma gigante no Brasil".

Carmen Miranda nasceu na cidade de Marco de Canaveses, no distrito do Porto, em Portugal. Mas, com apenas dez meses, veio para o Brasil e, para a tristeza dos portugueses, não voltou mais.

"Carmen teve forte influência na música, no cinema e na moda. Gosto de compará-la à Madonna ou à Lady Gaga. Além de fazer filmes e de gravar discos, lançou moda", explica o jornalista Tito Couto, autor da biografia Carmen Miranda – Eu Fiz Tudo Pra Você Gostar de Mim (2019).

"Sua preocupação com a imagem a levou a fazer uma cirurgia para corrigir o nariz, que achava feio e ‘batatudo'. Mas, por causa dela, se viu obrigada a usar uma prótese para esconder as cicatrizes. Além disso, começou a beber e a fumar impulsionada por Vinicius de Moraes. Chegou a obrigar a mãe a fumar porque acreditava que o tabaco fazia bem para os pulmões", afirma Couto.

Em Hollywood, Vinicius e a família frequentavam a casa de Carmen em Beverly Hills, na Califórnia. Enquanto Suzana, de 6 anos, gostava de brincar no closet, Pedro, de 4, aprendeu a nadar na piscina da mansão.

Da Lapa para a Broadway

No Rio de Janeiro, Carmen Miranda morou na Lapa e trabalhou no Centro. Numa loja de roupa masculina na Rua do Ouvidor, aprendeu a fazer chapéus. Uma de suas freguesas, ao ouvi-la cantarolar um tango, a convidou para se apresentar no Instituto Nacional de Música. Foi lá que, em 1928, conheceu o compositor Josué de Barros, seu padrinho profissional.

Em 1931, se apresentou em Buenos Aires, na Argentina. Lá, era carinhosamente chamada de "Carmencita".

Entre outros endereços badalados, Carmen Miranda cantou no Cassino da Urca. Em 1939, foi convidada a se apresentar na Broadway pelo produtor americano Lee Shubert. A estreia se deu no musical The Streets of Paris.

O convite, lembra o documentário Banana Is My Business (1995), de Helena Solberg, não incluía os sete integrantes do grupo Bando da Lua, que acompanhava Carmen em seus shows.

"E os meus rapazes?", perguntou a cantora. "Não posso levá-los”, respondeu Shubert. "Sem eles, não vou!", decidiu.

O grupo Bando da Lua era formado por sete músicos: Aloysio de Oliveira (violão e vocal); Hélio Jordão Pereira (violão); Osvaldo Éboli, o Vadeco (pandeiro); Ivo Astolphi (violão tenor e banjo); e pelos irmãos Afonso (ritmo e flauta), Stênio (cavaquinho) e Armando Osório (violão).

"A minha estreia em Nova York foi indescritível", escreveu para o compositor Henrique Foréis Domingues, o Almirante. "Não entendem patavinas do que canto, mas dizem que sou a artista estrangeira mais sensacional que até hoje apareceu aqui", orgulha-se.

Passado a limpo

Além do português Tito Couto, o brasileiro Ruy Castro também escreveu uma biografia sobre Carmen Miranda. Publicada originalmente em 2005, o livro de 632 páginas desfaz alguns mal-entendidos. Dois deles: o de que Carmen teria se recusado a gravar Brasil Pandeiro, de Assis Valente, e o de que ela teria sido vaiada no Cassino da Urca na noite de 15 de julho de 1940.rio de janeiroruy castro

"Brasil Pandeiro era uma ode à própria Carmen. Falava de seu estouro em Nova York. Inclusive, faz referência à visita dela ao presidente Franklin Roosevelt em Washington", explica Castro em crônica de 2011, numa alusão ao trecho que diz: "O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada / Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato / Vai entrar no cuscuz, acarajé e abará / Na Casa Branca já dançou a batucada de Ioiô, Iaiá".

"Dois meses antes, enfrentara o gelo da plateia de convidados da ditadura Vargas. Por Carmen ter dito uma ou duas frases em inglês, os muitos políticos, empresários e grã-finos pró-Hitler ali presentes rosnaram que ela voltara americanizada", ironiza o biógrafo no mesmo texto.

Segundo levantamento de Castro, Carmen gravou, entre 1929 e 1950, 313 músicas: 281 no Brasil e 32 nos EUA.

Cinco das mais famosas são No Tabuleiro da Baiana (1936), de Ary Barroso e Luiz Barbosa; Na Baixa do Sapateiro (1938), também de Ary Barroso; Disseram que Voltei Americanizada (1940), de Vicente Paiva e Luiz Peixoto; Tic-Tac do Meu Coração (1942), de Alcyr Pires Vermelho e Walfrido Silva; e Tico-Tico no Fubá (1945), de Zequinha de Abreu, Erwin Drake e Aloysio de Oliveira.

"A brasilidade de Carmen era tão acachapante que, para atacá-la, meia dúzia de jornalistas rancorosos lhe jogavam no rosto o fato de ter nascido em Portugal – porque sabiam quanto isso a magoava", lamenta o biógrafo em outra crônica, de 2018. "Uma agressão que os argentinos pouparam a Carlos Gardel (nascido na França), os americanos a Al Jolson (na Rússia) e os franceses a Yves Montand (na Itália)".

Este mês, uma nova edição de Carmen – Uma Biografia volta às livrarias.

Campeã de bilheteria

Entre 1932 e 1952, Carmen Miranda atuou em 20 filmes: seis no Brasil e 14 nos EUA.

Da fase nacional, destaque para Banana da Terra (1938), de João de Barro. Da internacional, Copacabana (1946), de Alfred Green. No primeiro, ela se veste de baiana pela primeira vez. No segundo, contracena com o humorista Groucho Marx.

Foi durante as filmagens de Copacabana, aliás, que conheceu seu futuro marido: o produtor David Sebastian. Os dois se casaram em 17 de março de 1947. Não tiveram filhos.

"Carmen Miranda era uma mulher latino-americana, praticamente sem inglês, que chegou em Nova York em 1939. Naquele mesmo ano, se tornou um sucesso estrondoso na Broadway e, a partir de 1940, em Hollywood", descreve a pesquisadora britânica Lisa Shaw, autora de outra biografia, Carmen Miranda (2013).

"Na década de 1940, chegou a ser a mulher mais bem paga de Hollywood. No entanto, tudo o que ela conquistou foi por amor ao que fazia. Era uma mulher à frente de seu tempo que sabia como explorar seu estrelato".

Entre uma filmagem e outra, fazia shows ao redor do mundo. Se apresentou, entre outras capitais, no Teatro Palladium de Londres, na Inglaterra, e na casa noturna Tropicana, em Cuba.

Cai o pano

Em 1954, depois de 14 anos nos EUA, Carmen Miranda regressou ao Brasil. À época, por causa do excesso de trabalho, estava viciada em remédios. Tomava estimulantes para acordar e sedativos para dormir.

No dia 3 de dezembro, fez check-in no Copacabana Palace. Sua saúde estava tão debilitada que a irmã, Aurora, não hesitou em chamar um médico. Entre outras recomendações, ele proibiu visitas.

Uma das poucas vezes em que a irmã viu Carmen dar risada foi quando avistou, da janela do quarto, um hóspede perder o calção ao mergulhar na piscina do hotel.

Carmen Miranda regressou aos EUA em 4 de abril de 1955. Entre outros compromissos, se apresentou em cassinos de Las Vegas e Atlantic City.

Estava gravando um programa de tevê, The Jimmy Durante Show, na NBC, quando começou a passar mal. Durante a gravação, perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos. "Não consigo respirar", arriscou um sorriso.

À noite, reuniu amigos em casa. Por volta das três da manhã, subiu para o quarto. Lá, sofreu um infarto e desabou no chão. Seu corpo só foi encontrado pelo marido às 11h do dia seguinte. Tinha 46 anos.

O corpo de Carmen chegou ao Rio de Janeiro uma semana depois, em 12 de agosto.

"O funeral parou a cidade. Meio milhão de pessoas acompanharam o enterro da Câmara Municipal, no Centro do Rio, até o Cemitério São João Batista, em Botafogo", relata o escritor Paulo Rezzutti, que dedicou um episódio de seu programa, História Não Contada, à "Pequena Notável".

"Em termos de fama internacional, Carmen Miranda fez tanto sucesso quanto Pelé e Tom Jobim. Ou até mais”, sublinha. "Mesmo quem nunca ouviu uma de suas músicas ou assistiu a um de seus filmes consegue identificá-la. Ela foi imitada até em desenho de Tom & Jerry!".

Setenta anos depois, Carmen Miranda tem dois museus: um em Marco de Canaveses, onde nasceu; outro no Rio, onde viveu até os 30 anos.

Os dois guardam objetos pessoais, como vestidos, sapatos e bijuterias, entre outros acessórios. O acervo inclui, ainda, partituras, documentos e fotografias.

"Não acho que Carmen tenha o reconhecimento que merece", lamenta a sobrinha da estrela, a psicanalista Maria Paula Richaid de Oliveira, filha de Aurora Miranda. "Ela foi a maior artista brasileira do século 20. Deveria ser mais valorizada, tanto no Brasil quanto nos EUA”.

Maria Paula tinha 5 anos quando a tia morreu e 55 quando perdeu a mãe, em 2005.

Um sonho que acalenta é o de ter a vida e obra de sua tia contada numa superprodução. Se dependesse dela, indicaria até o diretor: o cineasta espanhol Pedro Almodóvar. "Minha tia projetou a música popular brasileira internacionalmente. Ela merece todas as homenagens", derrama-se.