No seu curto mandato à frente do Ministério da Justiça, Barreto quer que a PF concentre suas forças na investigação de crimes eleitorais

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IMPARCIAL
Barreto garante que o governo e a oposição terão
o mesmo tratamento nas eleições

No dia em que deixou a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Ayres Britto abordou o ministro da Justiça, Luiz Paulo Teles Barreto, e lhe deu um conselho: “Este é um ano eleitoral e seu ministério terá muito trabalho. Sabe o que eu faço contra o stress? Vinte minutos de meditação. Faça o mesmo”, disse Britto. Barreto pediu detalhes da terapia. Mas até agora, diante das pressões que sofre no cargo, não conseguiu adotar a técnica por mais de dez minutos.

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"Se o eleitor soubesse o preço que vai pagar no futuro,
não daria seu voto a quem faz caixa 2"

Não bastassem os graves problemas do sistema penitenciário, como a superlotação das cadeias, Barreto tem pela frente o desafio de combater as doações ilegais da campanha política. Em entrevista à ISTOÉ, ele diz ter determinado à Polícia Federal que tome todas as providências para inviabilizar as doações ilegais de campanha. Até o crime organizado, segundo o ministro, já financia candidatos. “Reuni os 27 superintendentes dos Estados e pedi que atuem com imparcialidade, porque a PF é um órgão de Estado”, afirmou o ministro. “Preocupam-nos os compromissos que são fechados para doação de dinheiro que depois serão cobrados no serviço público”, explicou Barreto, consciente de que terá trabalho árduo nas próximas eleições.

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"Hoje, cerca de 80 mil presos poderiam estar soltos,
mas quem os solta é o juiz, não o ministério"

ISTOÉ

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Como será o plano de combate às doações ilegais de campanha?

Luiz Paulo Teles Barreto

É uma parceria do Ministério da Justiça com o TSE para combater fraudes. O Brasil do século XXI não pode mais conviver com caixa 2. Esse tipo de doação passa ao largo dos registros da Justiça Eleitoral e ajuda a sonegar impostos na Receita Federal. O grande problema não é o que significa para a campanha, é o que significa depois da campanha. Certamente quem fez doações ilegais vai cobrar o retorno do investimento.

ISTOÉ

Então, é para evitar a cobrança de favorecimento no futuro?

Luiz Paulo Teles Barreto

Foi o que aconteceu aqui em Brasília. Se o eleitor soubesse o preço que vai pagar no futuro, não daria seu voto. Quando ele vai à urna, não sabe que seu eleito está disposto a pagar um preço por quatro anos do mandato para suprir recursos que entraram na campanha por meio de caixa 2.

ISTOÉ

É uma campanha preventiva contra a corrupção?

Luiz Paulo Teles Barreto

Certamente. Há os crimes eleitorais clássicos. O candidato dá uma bota ao eleitor e, se eleito, dá a segunda bota. Há também o voto de cabresto, em que se coloca todo mundo dentro de um caminhão para votar num candidato. E nesse submundo de dinheiro que circula de caixa 2, de lavagem de dinheiro, o crime organizado está financiando algumas campanhas por dentro do processo. Vamos controlar com a ajuda do TSE.


ISTOÉ

Como é que a PF vai controlar esse submundo?

Luiz Paulo Teles Barreto

Historicamente, sabe-se quais são os meios para lavar dinheiro em eleição. É comum, por exemplo, a utilização de contratos com gráficas e informática. A empresa diz que vai bancar a campanha de alguém dando um software de R$ 100 mil, mas, na verdade, faz uma nota de ­R$ 1 milhão para o software. Vamos trabalhar com inteligência, junto com a Justiça Eleitoral, que vai demandar o trabalho da PF. Vamos doar à Justiça Eleitoral o Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro (LAB), um software poderoso, que detecta operações e monitora contas, fluxos de capital entrando e saindo, quem deposita, quem retira. Dá para fazer um rápido rastreamento financeiro do crime organizado. O TSE vai usar esse software para rastrear o movimento financeiro das candidaturas.

ISTOÉ

Outra dor de cabeça de sua gestão no ministério é a superlotação dos presídios. O governo quer mesmo pôr 80 mil presos na rua, com tornozeleiras e pulseiras eletrônicas?

Luiz Paulo Teles Barreto

Nenhuma medida do ministério visa a soltar presos. Temos uma política clara de investimento no sistema prisional. Existe um tripé para a segurança pública: a polícia, na qual se investiu bastante, a Justiça, que também teve investimentos, e o sistema prisional, que não teve o mesmo nível de investimentos. Isso desequilibra. Este ano serão R$ 600 milhões para cobrir o déficit prisional. Vamos construir 36 centros de detenção provisória, permitindo o esvaziamento das delegacias.

ISTOÉ

Há estimativa do número de presos que já poderiam estar em liberdade?

Luiz Paulo Teles Barreto

Preenchendo os requisitos de liberdade, haveria, sim, uns 80 mil presos. O ministério não defende a liberação. Poderiam estar em liberdade, mas é o juiz que libera, não é o ministério. Teoricamente, teriam direito à progressão, mas é necessário avaliar caso a caso.


ISTOÉ

O Brasil não tem um cadastro nacional unificado de presos?

Luiz Paulo Teles Barreto

Tem o Infopen, mas não é alimentado pelos Estados de maneira adequada. No caso do assassino em série de Luziânia até que havia informações. Constava no Infopen que o preso respondia a processo anterior na Bahia. Mas o Infopen depende de alimentação dos Estados, que alegam falta de computador e de pessoal. O ministério vai financiar a contratação de estagiários para alimentar esse sistema.

ISTOÉ

Mas em que momento entram as pulseiras eletrônicas?

Luiz Paulo Teles Barreto

Em todas as fases. A pulseira começa a entrar no “saidão” de fim de semana, “saidão” da Páscoa, do Dia das Mães, Dia dos Pais. Acontece que, hoje, 10% dos presos não retornam aos presídios, fogem.

ISTOÉ

A pulseira permitirá que o preso seja encontrado por sinal de satélite?

Luiz Paulo Teles Barreto

Sim, pelo sistema GPS. Há uma unidade de monitoramento. Você tem condições de aferir em tempo real onde o preso se encontra e terá o registro histórico de sua movimentação. Nos países onde as pulseiras foram adotadas, o índice de presos que não retornam caiu quase a zero.

ISTOÉ

A pulseira não será usada  para regime semiaberto de prisão?

Luiz Paulo Teles Barreto

Também. Mas o juiz terá de decidir caso a caso onde aplicará a pulseira. Tem que limitar o espaço territorial. Se o preso sair daquele espaço, perde o direito e volta ao regime fechado. Já existem pulseiras que permitem que se converse com o preso. É como se fosse um relógio e tem até alto-falante.

ISTOÉ

Além da questão prisional, é importante reduzir os níveis de criminalidade. Os programas de segurança pública, como o Pronasci e as UPPs no Rio, vêm dando resposta?

Luiz Paulo Teles Barreto

Pela primeira vez, a gente está conseguindo respostas consistentes no Brasil para problemas que pareciam insolúveis. Diziam que a questão do Dona Marta e do Complexo do Alemão, no Rio, não tinha jeito, o investimento público não reverteria o cenário. Pela primeira vez no Brasil, a gente descobre que o investimento na prevenção à criminalidade tem efeito concreto. Os meninos entram para o crime muito rapidamente. O Pronasci vai à região e captura os jovens, no bom sentido. No Rio, nessas zonas aplicadas, chegou-se a reduzir em 60% os índices de crimes.

ISTOÉ

Havia o temor de que as forças de segurança fossem contaminadas pelo tráfico.

Luiz Paulo Teles Barreto

Quando a força de segurança e o aparelho do Estado chegaram, a população se envolveu e criou um clima absolutamente incompatível com a criminalidade. O criminoso tem que migrar. Chega a um ponto em que o traficante diz: “Fecha a porta.” E o cidadão responde: “Fecho nada.”

ISTOÉ

No Rio, alguns traficantes tentam se reorganizar para  reocupar algumas áreas. As facções estão se reorganizando?

Luiz Paulo Teles Barreto

Sim. Ali perto do Alemão, eles percebem que estão perdendo a guerra e querem reverter essa derrota. Não vão conseguir. É um grupo criminoso que está sendo derrotado. O Rio já criou uma força-tarefa. O Ministério da Justiça já avisou que, se precisar da Força Nacional, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária, estamos dispostos a acionar.

ISTOÉ

É possível eliminar o tráfico?

Luiz Paulo Teles Barreto

Sem acabar o consumo, a oferta vai sempre tentar suprir essa demanda. É claro que, se houver dificuldade, o preço sobe. E aí a tendência é cair o consumo de droga no País. Não trabalhamos nessa matemática, mas ela existe. O presidente Lula recentemente pediu uma reunião para discutir drogas. Estiveram presentes os ministérios da Justiça, da Educação, da Saúde, do Desenvolvimento Social e a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). Cada área apresentou suas propostas. O presidente gostou do que viu e pediu uma política integrada. Estamos levando esta proposta a ele na próxima semana.

ISTOÉ

Os americanos querem criar uma base no Rio contra o narcotráfico?

Luiz Paulo Teles Barreto

Não. Temos projetos de parceria com os americanos. Hoje mesmo há seminário no Rio em parceria com o Departamento Antidrogas americano (DEA), com a participação de 140 países. O Brasil não precisa de base americana. Basta a cooperação entre as polícias dos países, a Justiça dos países, a diplomacia dos países. O governo não tem tido a postura de uma cooperação tão ampla a ponto de instalar uma base. Há certa divergência entre EUA e Brasil num ponto. Nós não acreditamos que adianta combater só a produção sem combater o consumo.


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