A morte numa delegacia de São Paulo do lutador de jiu-jítsu Ryan Gracie, 33 anos, coloca em pauta, mais uma vez, uma das mais complexas e negligenciadas questões envolvendo as instituições prisionais brasileiras: a assistência médica. Ryan desembarcou preso no 91º Distrito Policial acusado de ter roubado um carro e furtado uma moto. Tinha a agitação típica de quem consome cocaína (em pó, aspirada, ou em pedra, inalada). Foi-lhe então chamado um médico que já o atendera anteriormente em outras crises de dependência química, o psiquiatra Sabino Ferreira de Farias Neto, que o conteve com diversos medicamentos que lhe foram dados simultaneamente: remédio para surto psicótico, ansiolítico, medicação anticonvulsivante e também para esquizofrenia. Ryan morreu e o IML aponta como causa do falecimento “parada cardiorrespiratória devido a agente químico”. Cocaína é agente químico tanto quanto fármacos psicotrópicos. O que matou Ryan foi a cocaína ou a medicação psiquiátrica? Foi a sinergia de todo esse coquetel molotov em seu corpo? Aqui vem a questão tão negligenciada no Brasil e que não se discute: pelo fato de Ryan estar preso (assim como acontece com a população carcerária em geral), esqueceu-se de que o único local onde ele poderia ter sido socorrido chama-se hospital. Culpado é o delegado, que não é médico, ou o médico que o atendeu mas que não poderia forçar a remoção porque não é delegado? Ryan não estava atravessando uma agitação psicótica (portanto, seu caso não era psiquiátrico), mas, isso sim, uma agitação devido à droga (portanto, seu caso era clínico, ou seja, hospitalar, segundo a convenção da Organização Mundial da Saúde). Culpada é a cultura do descaso com quem está preso, cultura que faz com que se esqueçam determinações do Ministério da Saúde: todo cidadão que estiver sob a guarda do Estado tem de ser atendido em hospital e tem direito ao SUS. Polícia e médico, juntos, deveriam tê-lo internado. A causa mortis foi a não internação.