O ditador Manuel Pereira da Ponte Martins, presidente de um país cuja capital é Teresina, é um homem apavorado pelas previsões de uma vidente que lhe predisse morte por linchamento em meio a uma multidão. Do pânico e do tédio de representar o papel de “pai da pátria” compreensivo e que a todos ouve, lhe vem a idéia de deixar em seu lugar um sósia, alguém que empreste diariamente seus ouvidos ao povo, que exerça a crueldade fundamental à manutenção do poder e que o libere para uma vida confortável de luxo em paragens menos aborrecidas. Esse é o caldo básico que o escritor francês Daniel Pennac preparou para ambientar seu mais recente livro, O ditador e a rede (Rocco, 244 págs., R$ 32).

Não que se trate de um livro sobre o Brasil. Mas foi a partir dos contrastes percebidos em uma temporada em Fortaleza, e da história de dois sertanejos que viajavam pelos vilarejos nordestinos exibindo em praças e igrejas velhas cópias de filmes de Charlie Chaplin, que Pennac diz ter tirado sua inspiração. À medida que os sósias do fóbico ditador se cansam da função e criam seus próprios sósias, a manutenção do poder se torna cada vez mais absurda e distante da vida real. Histórias paralelas se desenvolvem e cruzam oceanos, enquanto o marasmo da ditadura se perpetua na modorra dos sertões. Nem as mortes nem as aventuras dos diferentes clones do esquecido ditador conseguem alterar o status quo. Porque, no final, a vida se desenvolve no ritmo preguiçoso de uma rede que balança na varanda.