Todo domingo, o Repórter Vesgo, Sabrina Sato, o “Silvio Santos” e a turma irreverente do Pânico na TV ocupam uma mesa de uma churrascaria de Alphaville, nos arredores de São Paulo, para avaliar o programa e elaborar as diabruras para a semana seguinte. É sob o odor dos espetos de carne que eles decidem quem será a próxima vítima das “sandálias da humildade” ou inventam chacotas como a campanha “faça chifrinho numa celebridade”. Mas no domingo 5, o encontro ganhou ares de comemoração. Com uma trajetória de apenas um ano e oito meses, a atração cult, que se vende como irresponsável e já leu Fernando Pessoa no ar para zombar da guerra de audiência, alcançou por 15 minutos o posto de vice-líder no Ibope. Virou coisa séria. Foram 15 pontos de média contra 12 do Domingo legal de Gugu Liberato.

É a primeira vez que o programa ultrapassa o SBT. O crescimento nos índices é resultado de uma fórmula simples, que alimenta o sadismo do telespectador em ver celebridades perseguidas, ridicularizadas e “zoadas” pelo Repórter Vesgo, personagem do mineiro Rodrigo Scarpa, e pelo dentuço “Silvio Santos”, papel interpretado pelo cearense Wellington Muniz. A dupla atrapalhada estrela o quadro “Sandálias da Humildade”, criado como uma brincadeira para “premiar” famosos que, segundo eles, abusam da arrogância. Caso recente do apresentador Jô Soares, cuja perseguição garantiu ao programa o seu recorde de audiência na semana passada. Em duas ocasiões, Jô se esquivou das abordagens de Vesgo e Silvio. Foi o bastante para ser carimbado como o esnobe da vez, numa investida que já mostra sinais de excesso e apelação.

Outro ingrediente que cativa os fãs do Pânico na TV são os bordões. Já caiu na boca do povo o debochado “é verdade!”, resposta dada com sotaque caipira pela curvilínea Sabrina a toda e qualquer pergunta ou afirmação alheia. E só quem vive em outro planeta ainda não viu um engraçadinho dar um tapa na nuca de um desavisado e gritar “Pedala, Robinho!”, imitando o personagem Merchan Neves, paródia ao jornalista esportivo Milton Neves. Com esse clima de “turma do fundão”, o programa deixou de ser uma curtição paulistana e foi pego de surpresa por uma onda que nem seus criadores esperavam. E que agora começam a cair nas mesmas armadilhas das atrações que alfinetam. “É difícil teorizar as razões do nosso sucesso. Temos uma liberdade que o Casseta & Planeta, por exemplo, não tem. Eles são ótimos, mas o humor é engessado por ser feito na Globo”, constata Emílio Surita, o âncora e massa cinzenta do Pânico.

A concorrência, claro, cresce os olhos. O espevitado Repórter Vesgo foi sondado pela Rede Bandeirantes e pela Rede Globo. Silvio Santos, o verdadeiro, tornou público seu interesse em contratar toda a trupe. Na tentativa de segurar a turma, Marcelo de Carvalho, vice-presidente da Rede TV!, apela para a ética. “Vamos notificar judicialmente o SBT por assediar artistas com contrato”, afirma. Mas logo perde a linha. “O Pânico na TV é um programa jovem e transado. Não tem o perfil do SBT, que é emissora cafona e excessivamente popular.”

Para evitar que seu programa de maior audiência e faturamento migre para outro canal, a direção da Rede TV! estendeu o contrato de Surita & companhia por dois anos e estabeleceu uma multa rescisória de R$ 10 milhões. Em contrapartida, foi obrigado a engordar o salário do elenco. Se no mês de estréia, em setembro de 2003, recebiam entre R$ 2 mil e R$ 5 mil, hoje as cifras oscilam entre R$ 20 mil
e R$ 35 mil. O maior contracheque, obviamente, é o do líder Surita. Com os merchandisings, a quantia chega a R$ 80 mil. Isso sem contar a agenda de
eventos. Grandes bancos, laboratórios e empresas de telefonia pagam até
R$ 15 mil por hora para ter Repórter Vesgo, Gluglu (Vinicius Vieira) ou Sabrina Sato em campanhas internas de incentivo. “A gente descobre um podrinho de um executivo da firma e tira sarro. Sempre tem um gaúcho, alguém de Campinas ou com fama de corno para fazer piada”, conta Marcos Chiesa, o Bola, o palpiteiro que fica sentado ao lado de Surita.

O clima de escracho, que conquista adolescentes e adultos deslumbrados com as gozações ao mundo da mídia, pode suscitar uma saudável anarquia. Mas a realidade é outra. Na defesa do profissionalismo, Ricardo de Barros, diretor do programa, desmistifica a espontaneidade do Pânico. “Somos muito organizados. Improvisos, só no momento certo”, explica. Prova dessa organização foram as recentes brigas por um novo cenário. Supostamente cansado de tanto reivindicar, o elenco destruiu no ar, ajudado pela platéia ensandecida, o precário cenário antigo. Na semana passada apresentaram a atração em meio aos escombros. Pode parecer ousadia, mas é tudo jogo de cena. “A nova cenografia está feita, conta com tecnologia de ponta e foi inspirada na obra de Roy Lichtenstein (ícone da pop art)”, desmascara Carvalho. “Eles combinaram com a direção e acharam engraçado continuar no cenário quebrado por um tempo.”

Circo – O programa, aliás, é gravado no mesmo estúdio do Superpop, de Luciana Gimenez, alvo interno da turma. No espaço exíguo, transitam seis câmeras diante de uma platéia de 200 pessoas, apertadas em seis arquibancadas. Fora do circo incandescente de refletores, o pessoal da produção tenta organizar por ordem de entrada as bancadas de inserções comerciais. No último domingo foram sete, a maioria destinada às classes A e B, como a de uma moto e a de equipamentos de som. O clima é de mercado persa, com funcionários empurrando produtos em carrinhos feito alegoria de escola de samba, que volta e meia emperram nos fios mal ajambrados no piso. No corredor, dois filhotes de avestruz observam atônitos a movimentação. Há cinco semanas os bichinhos viajam duas horas de Araçatuba, no interior de São Paulo. O mais famoso, Omar, nasceu sob as “asas” de Sabrina, aquela que se sujeita a tudo. “Trago os dois porque juntos eles não têm stress”, afirma William Gandolphi, o criador.

Indiferente ao caos, nos intervalos comerciais e nos blocos pré-gravados Surita ouve as instruções do diretor por um ponto eletrônico, enquanto Sabrina finge que não escuta os gracejos abusados vindos dos marmanjões da platéia. Wellington Muniz, o Silvio Santos dentuço, aproveita para tirar a dentadura incômoda e Gluglu – sátira para lá de delicada do apresentador Gugu Liberato – permanece sentado, observando. “Zoeira mesmo só no ar. Gosto de ficar na minha”, explica Vieira, mineiro de São João Nepomuceno. A Mulher-Samambaia, personagem da voluptuosa Daniele de Souza, também mantém-se imóvel no palco durante o break. “Todo programa dominical tem uma gostosa. Nós temos ela, que fica sem fazer nada, só mostrando o corpo”, diz Surita, com deboche. Se durante toda a atração Daniele fica semi-nua, segurando uma planta, nos intervalos ela corre para trás de uma cortina preta para esconder o que o Brasil inteiro já viu – inclusive nas páginas de uma revista masculina, por completo. “Pode não parecer, mas ela é supertímida”, explica o namorado e empresário Márcio Prosini, enquanto cobre o corpo da moça com um roupão rosa.

Aparecido como ele só, o Repórter Vesgo, no entanto, geralmente não fica no palco. Durante a semana, grava as externas, que podem ser a perseguição de famosos, alvos das “sandálias da humildade”, ou o colunismo social às avessas, quando tira sarro de celebridades em festas e eventos badalados. Enquanto os colegas estão no ar, ele se interna no switcher (sala onde ficam os medidores de audiência) e vigia os números minuto a minuto. “Fiquei viciado nisso”, conta. No programa passado, Vesgo comemorava a curva ascendente enquanto na telinha o Brasil acompanhava o feito com o aviso zombeteiro “Pedala, Gugu!” A continuar assim, o próximo a perder peso na bicicleta ergométrica do Ibope é Faustão.