A intensa chuva berlinense da sexta-feira 7 servia de trilha sonora do discurso do presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, ao revelar para o mundo o logotipo oficial da Copa do Mundo de 2010, marcada para o seu país. “Será um milagre realizá-la”, disse. “Faremos um Mundial com força semelhante ao do retorno da democracia em nosso país, com o fim do apartheid em 1994.” Mbeki admite que a missão será complicada. E o motivo é simples: há agora o fabuloso parâmetro do Mundial da Alemanha. “Puseram a barra de qualidade lá em cima. Nunca mais será fácil alcançá-la”, disse. Rumores desmentidos pela Fifa indicavam um plano de contingência para transferir o próximo Mundial, o primeiro em solo africano, para a Austrália, caso os sul-africanos não sejam capazes de organizá-lo. Entre o show de eficiência alemão e as incertezas africanas, o Brasil pode descobrir o atalho para levar a Copa de 2014. Por isso, um olhar atento ao que ocorreu no verão alemão de 2006 pode ajudar – e muito – os dois países a montarem uma competição de respeito.

Terceira no campo, a Alemanha tem muito o que comemorar fora dele. Pelas contas do Ministério da Economia, a Copa dará no PIB alemão (US$ 2,7 trilhões no ano passado) uma injeção adicional de algo entre 0,38% (US$ 10,26 bilhões) e 0,5% (US$ 13,5 bilhões). Mais de 91% dos visitantes disseram ter sido bem recebidos – a unanimidade foi a organização, considerada perfeita, com elogios especiais ao transporte aos estádios. “O maior ganho foi a imagem positiva que o mundo extraiu da Alemanha”, admite Heinrich Bayer, do Postbank. “Soubemos aproveitar a oportunidade.”

Empresas como a Adidas, patrocinadora e fornecedora, ainda mais. Em 2006, terá crescimento de 30% em seu faturamento em relação ao US$ 1,8 bilhão de 2005. Mesmo a primeira-ministra, Angela Merkel, aproveitou a animação para aumentar impostos na surdina. Apesar de a pobreza, o transporte deficiente e os estádios precários colocarem em dúvida a competição na África do Sul, o Mundial de 2010 poderá injetar US$ 3,5 bilhões no país de Nelson Mandela e gerar 200 mil novos empregos. Um fenômeno com chances de se repetir no Brasil se o casamento do público com o privado se der sem cismas. Os cartolas da Fifa, sentados em cima dos US$ 2,17 bilhões já garantidos para seus cofres em 2010 e 2014, por conta dos patrocínios, direitos de televisão e ingressos, gostam de empurrar parcela da responsabilidade para os poderes públicos. Não há dúvida que a participação do Estado será sempre vital. Mas, a rigor, o que ainda falta a sul-africanos e brasileiros é o empenho da iniciativa privada. Na Alemanha, ele fez a diferença. O governo colocou US$ 600 milhões do US$ 1,5 bilhão gasto com estádios. No final, investiu apenas 20% do total gasto na realização do torneio.

Percebem-se os caminhos tortos que o Brasil costuma trilhar quando os olhos se voltam, por exemplo, para a organização dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro. O orçamento público abrigará quase 100% das despesas, hoje estimadas em R$ 2,5 bilhões. O governo federal arcará com R$ 1,29 bilhão, o que representa mais de 50% do orçamento – no início do projeto, a parte se resumia a 17%. Se o Brasil quiser organizar a Copa de 2014 terá que reinventar seu modo de fazer parcerias entre o público e o privado. Na semana passada, em Berlim, induzido a dizer se o Brasil tem condições de erguer novos estádios – os atuais não servem para uma Copa –, o ex-presidente da Fifa João Havelange disse o seguinte: “Isso quem tem que responder é o presidente, os governadores e os prefeitos.” A verba do Estado é crucial, mas as empresas devem topar perder dinheiro agora para ganhar – e muito – lá na frente. Foi assim na Alemanha. Funcionou. Luta-se para que assim seja na África do Sul – e, se for confirmado para 2014, no Brasil.