Ela chega quando você menos espera. A poucos minutos de um encontro importante, por exemplo. O suor frio molha as mãos, o coração dispara, a respiração acelerada sacode o corpo. A pessoa esperada chega com a calma de um monge budista – o que só aumenta o desespero. “Por que isso acontece?” é a pergunta que martela na cabeça enquanto se tenta controlar a crise de ansiedade. Todo ser humano manifesta essas alterações de comportamento na vida. Em 80% da população mundial, elas ocorrem em níveis moderados, o que é natural e em muitos casos até positivo, pois gera estímulos para resolver situações do cotidiano. “Controlada, ela é um trunfo da evolução para garantir nossa sobrevivência”, explica o psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas de São Paulo. O problema são os 20% restantes. Neles, o quadro aparece com intensidade e freqüência elevadas, foge do controle em várias ocasiões e assume a forma de doença. Por causa dessa abrangência impressionante, o combate à ansiedade patológica virou um dos grandes objetivos da medicina moderna. E a boa notícia é que os achados científicos dos últimos anos abriram caminhos para tratar o problema com muito mais eficiência.

A necessidade de entender esse terremoto emocional levou os cientistas a empreender uma jornada pelo interior do cérebro. Uma das linhas de estudo busca explicar por que alguns são presas mais fáceis do problema. A resposta pode estar na genética. No ano passado, cientistas do Instituto Johns Hopkins (EUA) anunciaram que pode haver seis regiões do genoma envolvidas na disposição de ter comportamentos obsessivo-compulsivos. Outra frente desvenda o circuito cerebral percorrido pela ansiedade. Entre as descobertas está a constatação de uma atividade intensa na região da amígdala, estrutura associada às emoções. Nesse rastreamento, foram identificadas substâncias atuantes nos mecanismos de aumento e redução das respostas ansiosas. Uma delas é a enzima PKCe, que tem sido estudada na Universidade da Califórnia (EUA). Há também grande interesse no desempenho da proteína NPS, envolvida na modulação da ansiedade e do sono.

O reconhecimento desses agentes abre perspectivas de tratamento. Os remédios podem ser criados para atuar sobre essas peças-chave, desmontando o circuito de alerta. A pesquisa mais promissora se debruça sobre o hormônio cortisol, com papel fundamental nas reações do corpo durante as crises. Pesquisas da Universidade de Yale e do Instituto Nacional de Saúde (NIH), ambos nos EUA, demonstram que o aumento dos índices de cortisol no sangue, verificado em ansiosos, atrofia os neurônios e diminui a comunicação entre essas células nervosas. “A elevação pode prejudicar ainda a formação de novos neurônios”, explica Helena Calil, da Universidade Federal de São Paulo. Com base nesses estudos, a indústria trabalha no desenvolvimento de remédios para inibir a ação do cortisol. Outros hormônios também têm chances de ser usados para amenizar as respostas do corpo. Entre eles está a ocitocina, estimulante da contração uterina durante o parto e também da ejeção do leite na amamentação. Testes feitos pelo NIH revelaram que ela diminui a atividade da amígdala, a área superativada nas crises.

A ansiedade é mais um produto da máquina humana no trabalho para se defender. Na falta de veneno ou de garras afiadas, como os animais, o cérebro desenvolveu um sistema de defesa que monitora sem parar o ambiente. Quando capta um sinal de perigo ao redor, deflagra o processo, colocando o corpo num estado emocional que mantém o organismo pronto a reagir. Enquanto isso, outro ponto do cérebro analisa se o risco é real, passageiro ou ainda mais assustador. Dependendo da conclusão, as defesas são desativadas ou recrudescidas. O problema é que os ansiosos com grau elevado não conseguem desligar esse “botão” de alerta.

Os desdobramentos são sentidos no cotidiano. A pessoa começa a ver o ambiente de modo ameaçador. Tudo vira risco. Os distúrbios da ansiedade são o problema psiquiátrico mais comum da atualidade. Surgem na forma de fobias, o medo irracional de objetos, situações ou animais. Ou da síndrome do pânico, um ataque de ansiedade aguda com suor, falta de ar e medo da morte. Manifesta-se também em comportamentos obsessivo-compulsivos, pensamentos, imagens ou impulsos que geram atos repetitivos ou rituais. E ainda em conseqüência de stress pós-traumático, os efeitos danosos de um trauma psicológico. A versão mais popular desses transtornos é, no entanto, a ansiedade generalizada, caracterizada por um permanente estado de preocupação.

Outras descobertas recentes fortalecem também os laços entre ansiedade e depressão. Cada vez mais, essas doenças aparecem combinadas. Tudo indica que elas envolvam as mesmas substâncias, sistemas e que sejam codificadas pelos mesmos genes. “De cada cinco pacientes com depressão, quatro tiveram episódios de ansiedade antes”, contabiliza a cientista Helena Calil. Essas informações começam a ter impacto na definição dos tratamentos. Certos antidepressivos de última geração ganham prioridade contra a ansiedade porque demonstram mais eficiência do que os remédios tradicionais, os ansiolíticos. Além disso, embora atuem em geral somente após duas semanas do início do tratamento, eles não levam à dependência, ao contrário dos ansiolíticos. No campo dos remédios, a quetiapina, um antipsicótico de segunda geração, tem dado bons resultados no controle da ansiedade generalizada. “Ele apresenta ação sobre algumas substâncias cerebrais ligadas às emoções e não afeta a libido, que é um efeito colateral de alguns antidepressivos”, diz o psiquiatra Márcio Versiani, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A droga ainda não foi aprovada pelo Ministério da Saúde para essa indicação – e há até quem a desaprove. “Ainda é uma questão controversa”, afirma Márcio Bernik.

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Outra possibilidade de tratamento é a Terapia de Estimulação Magnética Intracraniana. O método, já aplicado em casos graves de depressão, vem sendo usado de forma experimental pelo psiquiatra Rafael Boechat, da Universidade Nacional de Brasília, em 30% de seus pacientes, que não melhoraram com outros tratamentos. A técnica ajudaria a regular o funcionamento dos centros cerebrais da ansiedade. Mas é preciso cuidado com a técnica. Especialistas ressalvam que ela não pode ser usada quando há risco de convulsões.

Movimentar o corpo também ajuda. Relaxar a musculatura e respirar corretamente ajuda a controlar essa emoção. “Vimos melhora depois de um treinamento para respirar usando o diafragma em vez de fazer a respiração torácica, mais rápida e associada à tontura e ao formigamento em pernas e braços”, afirma Geraldo Possendoro, da Unifesp. Esses são recursos de uso mais amplo. Mas há também instrumentos mais específicos. Para a fobia, há outras técnicas de sucesso. Uma delas é usar modelos de realidade virtual para colocar o paciente em contato com o objeto do medo – uma aranha, uma formiga ou uma avenida de trânsito intenso. Dessa maneira, ele se expõe de uma forma segura e pouco a pouco ganha confiança, ao mesmo tempo que controla o problema.

Se a ciência avança tanto, por que as pessoas continuam sofrendo com a ansiedade? Infelizmente ainda falta um esforço maior no campo da educação em saúde para convencer a população de que a doença não é simples. “A ansiedade não melhora sozinha”, acentua Márcio Bernik. Mas a maioria dos ansiosos só bate na porta do especialista depois de quase uma década tentando driblar o mal-estar. É esperar demais para voltar a ter uma vida mais serena e de melhor qualidade.


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