Luiz Inácio Lula da Silva é um homem livre. Já se elegeu presidente duas vezes, tem 83% de popularidade e não precisa mais prestar satisfações aos eternos doadores de campanha. Sua candidata talvez ainda necessite deles, mas Dilma é Dilma, Lula é Lula. E o que se viu em Brasília na semana passada, no leilão para a hidrelétrica de Belo Monte, foi notável. Pela primeira vez em oito anos, o governo decidiu peitar o cartel das grandes empreiteiras. Antes da disputa, dois consórcios estavam formados, mas isso não significava que haveria concorrência. O que estava combinado entre as construtoras, qualquer que fosse o resultado, era uma divisão da maior obra dos próximos anos, de quase R$ 20 bilhões, da seguinte forma: 25% para a Camargo Corrêa, 25% para a Odebrecht, 25% para a Andrade Gutierrez, 15% para a Queiroz Galvão e 10% para a OAS.

No meio do caminho, a Queiroz Galvão avaliou que merecia os mesmos 25% das construtoras maiores. E, articulada com a Chesf, uma das principais geradoras de energia do País, formou um novo grupo. Só que, às vésperas do leilão, a Queiroz também tentou impor suas próprias condições: ficaria no grupo, desde que levasse 80% das obras civis. Não obteve a garantia, que era imoral, quase uma chantagem, e pulou fora do consórcio. Foi o que bastou para que começasse a gritaria: “A tarifa é barata demais”, “Não vão entregar a obra”, e assim por diante. Alheio às pressões, o presidente apenas disse que, se as grandes empreiteiras não quiserem participar do projeto, azar. Belo Monte será construída pelo que Lula chamou de “barrageiras dos novos tempos”.

Capacidade de construir hidrelétricas é o que não falta no Brasil, um país que já ergueu Furnas, Itaipu e muitas outras barragens. E se em Belo Monte o preço será menor, tanto melhor. Aliás, a tarifa caiu justamente porque o governo definiu que a taxa de retorno do projeto deveria ser de 8% ao ano, e não de 12%, como queriam as empreiteiras. Uma remuneração de 8%, acima da inflação, já é satisfatória em qualquer país civilizado – e não há razão para que seja diferente no Brasil.

Depois da choradeira das construtoras, também passaram a dizer que uma eventual entrada dos fundos de pensão em Belo Monte significaria a estatização do projeto. Mais uma grande bobagem. Os fundos, embora sejam ligados a empresas estatais, são entidades privadas, que pertencem a seus funcionários. E que têm a obrigação atuarial de entregar um retorno de 5,5% ao ano, acima da inflação, aos seus cotistas. Entrar em algo com ganho estável de 8%, e duração de 30 anos, representa um baita filé. O fato é que o Brasil necessita da energia de Belo Monte para crescer – e pode muito bem dispensar um cartel de empreiteiras.