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ISOLADO
Apoio dos militantes não é suficiente
para Ciro conseguir construir alianças

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Passando por cima do deputado Ciro Gomes (PSB-CE), da militância socialista e do desejo de cerca de dez milhões de eleitores, a cúpula do PSB fez um acordo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para retirar a candidatura própria do partido ao Palácio do Planalto. Submetido a um escancarado processo de fritura, Ciro foi informado da decisão da cúpula socialista em reunião realizada na quinta-feira 22. “A situação da candidatura ficou insustentável, Ciro. Precisamos priorizar as eleições estaduais”, disse, em tom seco, o presidente nacional do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos. O encontro ocorreu na sede da Alcântara Cyclone Space e foi testemunhado pelo vice-presidente da legenda, Roberto Amaral. Um quadro relacionando supostos interesses políticos do PSB em cada Estado foi utilizado pelos dirigentes socialistas para convencer Ciro a desistir da empreitada. A leitura do quadro levado pelos chefes do PSB indica que o partido não quer um candidato próprio à sucessão de Lula. O problema é que tudo pode não passar de mais uma manobra mal elaborada. Durante a semana passada, ISTOÉ fez consultas a todos os diretórios regionais do PSB (leia quadro na pág. 38) e, ao contrário do que os dirigentes nacionais do partido tentaram mostrar a Ciro, a maioria da militância apoia a candidatura. Em 13 Estados, incluindo colégios eleitorais como São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará, os socialistas são favoráveis à candidatura de Ciro. Em outros nove Estados os militantes se declaram indecisos e em apenas cinco, incluindo Pernambuco do presidente socialista Eduardo Campos, a legenda se posicionou contra a candidatura. “Essa decisão pegou a gente de surpresa. É muito ruim não ter um candidato. A tendência do partido é sumir do debate nacional”, desabafou o deputado federal Beto Albuquerque, précandidato ao governo do Rio Grande do Sul.

Para não transmitir a impressão de que tomou uma decisão de cima para baixo, como faz parte da tradição do PSB, a cúpula socialista adotou um discurso para uma saída honrosa da disputa. Afirmou que vai consultar as bases na terça-feira 27, na reunião da Executiva Nacional, antes de oficializar o sacrifício de Ciro. Mas é pura encenação. O tiro de misericórdia na candidatura própria foi disparado depois que os caciques socialistas se reuniram com o presidente Lula, com o governador do Ceará, Cid Gomes, e até com a ex- ministra Dilma Rousseff, que permaneceu mais de uma hora na sede do governo no final da tarde da quinta-feira 22. Em entrevista na manhã seguinte, Ciro mostrou que não cairá em silêncio e que o projeto arquitetado por Lula e Eduardo Campos para colocar o PSB na cesta de apoios a Dilma ainda no primeiro turno poderá se transformar em gol contra. “Tiraram de mim o direito de ser candidato. Lula está navegando na maionese. Ele está se sentindo o todo-poderoso e acha que vai batizar Dilma presidente da República”, disse o parlamentar. “Mas ele não é Deus. Pior, ninguém chega para ele e diz ‘tenha calma’.” Também indignado com a cúpula do partido, Ciro disparou contra Eduardo Campos e Roberto Amaral: “Não estão no nível que a história impõe a eles.”

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“O partido será ouvido e se a decisão não estiver
madura poderá ser adiada”
Eduardo Campos, governador de Pernambuco
e presidente do PSB

Mesmo isolado politicamente pelas lideranças, Ciro sabe que a alegação de que a retirada de sua candidatura facilita os arranjos estaduais não se sustenta. Em São Paulo, por exemplo, ao contrário do que dizem os dirigentes do PSB, o ex-presidente da Fiesp Paulo Skaf não aceita ser vice na chapa de Aloizio Mercadante, candidato do PT ao governo. A entrada de Skaf na chapa também desagrada ao PDT, integrante do bloco de esquerda. Principal expoente do partido no Estado, o deputado Paulinho, da Força Sindical, bateu de frente com Skaf depois que o empresário se posicionou contra a redução da jornada de trabalho.

Ao entregar a cabeça de Ciro, o PSB apenas confirmou o que já se esperava. Mesmo quando Ciro aparecia nas pesquisas com mais de 10% das intenções de voto e Dilma patinava, a direção já costurava o acordo com Lula. Nos últimos meses deixou a candidatura no sereno, minguando. A reunião da quinta-feira apenas consumou a traição. “Na hora em que botamos tudo no papel, ficou claro que não dava mais para o Ciro”, explicou um dirigente presente no encontro, sem saber o resultado das consultas feitas por ISTOÉ. Na conversa, Eduardo Campos deixou claro que o principal objetivo do partido é eleger uma bancada forte na Câmara e no Senado, além de priorizar a eleição dos oito candidatos a governador do PSB. Para isso, os socialistas argumentam que o caminho mais fácil é se aliar à candidata do PT ao Planalto, Dilma Rousseff. Do PT, eles esperam apoio em Estados como Piauí, Amapá e boa vontade na formação dos palanques em São Paulo, no Espírito Santo e Rio Grande do Sul. A reivindicação foi apresentada em encontro na quarta-feira 21 entre Campos e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, um dos coordenadores da campanha de Dilma. “O partido decidiu consultar as bases regionais. Mas, naturalmente, o entendimento caminhou para a candidatura única da base em torno da Dilma”, reconheceu o líder do PSB na Câmara, Rodrigo Rollemberg.

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Para amansar Ciro, dono de personalidade forte e língua afiada, os socialistas negociam com o PT uma compensação para o parlamentar. Ciro disse aos dirigentes do PSB que, depois da reunião da Executiva, pretende tirar uma licença da Câmara e sair de circulação. Mas assegurou que voltaria a tempo de ajudar o partido nas campanhas estaduais. Não há, porém, como assegurar que isso ocorrerá. Ciro está magoado e não parece disposto a jogar sua reputação em favor de Dilma. “Não me peçam para ir à televisão declarar meu voto que eu não vou”, disse Ciro em entrevista concedida ao site www.ig.com. br. “Minha sensação agora é de que o Serra vai ganhar esta eleição. Dilma é melhor do que o Serra como pessoa. Mas o Serra é mais preparado, mais legítimo, mais capaz”, completou o deputado.

Diante da reação de Ciro, o presidente do PSB divulgou uma nota na manhã da sexta-feira 23 negando o fato de Ciro estar fora da disputa presidencial. “A decisão só será tomada na reunião da Executiva Nacional, depois de ouvido o partido, e, se ela não estiver madura, poderá ser adiada”, afirmou Eduardo Campos. No staff da candidatura de Dilma, comenta-se que para acalmar os ânimos o partido poderia entregar a Ciro uma das coordenações da campanha no Nordeste. A possibilidade foi aberta pelo próprio irmão Cid Gomes na semana passada. “Qualquer pessoa, desde a candidata Dilma até um candidato aqui no Ceará, poderia ter no Ciro um extraordinário coordenador de campanha, pela sua experiência e pela paixão que ele coloca sempre em tudo que faz”, afirmou o governador do Ceará. No governo, ainda há quem defenda que Lula ofereça a Ciro uma pasta importante num eventual governo Dilma.

As declarações de Ciro na sextafeira 23 deram uma pequena amostra do que ele fará daqui em diante, com a faca nos dentes. Esse, agora, é o maior temor no PT. Em conversa com aliados, Ciro disse que Lula pode estar equivocado ao apostar numa disputa plebiscitária entre José Serra e Dilma. Ele continua convencido também de que a candidatura própria seria benéfica para levar o PSB a ser o quarto maior partido do País. Segundo Ciro, se conquistasse 15% dos votos – hoje ele aparece com 9% – , cerca de 20 milhões de eleitores estariam apostando no PSB. Resta saber em quem Ciro vai assestar sua metralhadora giratória. Ele está revoltado. E os estilhaços do tiroteio já começam a se espalhar.

Colaborou Adriana Nicácio