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SENTENÇA
Bignone no julgamento no qual foi réu por
crimes contra a humanidade

Enquanto no Brasil o debate sobre a revisão da Lei da Anistia segue em aberto, a Justiça na Argentina avança sem trégua na punição de seus ex-ditadores. Na terça-feira 20, foi a vez do general Reynaldo Bignone, condenado a 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade – especificamente o sequestro e a tortura de 56 pessoas no Campo de Mayo, um centro de treinamento militar localizado nos arredores de Buenos Aires. Bignone foi o último presidente militar do país, tendo assumido o governo em 1982, após a derrota argentina na guerra das Malvinas. Com a reabertura política, o general entregou o poder a Raúl Alfonsín no ano seguinte. O julgamento do militar aposentado foi transmitido ao vivo por rádios e tevês.

Antes de conhecer o veredicto, o general Bignone, 82 anos, fez uma longa defesa de seus crimes. “Foi uma guerra. A verdade é que existiam organizações terroristas clandestinas que não eram muito jovens nem idealistas e o seu ideal era a tomada do poder pela força subversiva”, afirmou. Também questionou a cifra oficial de 30 mil mortos e desaparecidos durante a ditadura argentina (1976-1983). “Jamais se demonstrou a veracidade deste número. Nunca se provou que foram mais de oito mil desaparecidos e se fala em 500 roubos de bebês, mas não chegam a 30 e não envolvem militares”, disse. Para Bignone, o desaparecimento de pessoas é crime apenas “em tempos de paz”. “Mas em tempos de guerra tem outra classificação”. O militar aposentado, que cumprirá a pena em prisão comum, foi vaiado diversas vezes pelos presentes ao tribunal, em sua maioria familiares de vítimas da ditadura.

“Estamos felizes pela condenação e a decisão de colocá-lo numa prisão comum, pelos 30 mil desaparecidos, pelas mães, as avós, os filhos, pelo povo argentino”, comemorou a líder da ONG Avós da Praça de Mayo, Estela de Carlotto. O secretário de Direitos Humanos do governo Cristina Kirchner, Eduardo Duhalde, também considerou “exemplar” a decisão do tribunal. “Demonstra um novo avanço na luta contra a impunidade”, emendou. Além de Bignone, foram condenados, com penas de 17 a 25 anos de prisão, os oficiais Santiago Riveros e Fernando Verplaetsen, Carlos Alberto Tepedino, Jorge García e Eugeño Guañabens. Dados dos organismos de direitos humanos da Argentina estimam que quatro mil pessoas tenham sido detidas no Campo de Mayo, e muitas continuam desaparecidas. Lá havia uma maternidade clandestina, onde centenas de mulheres deram à luz filhos que foram depois adotados ilegalmente por famílias de militares e de simpatizantes da ditadura.

Na Argentina, a abertura política também foi negociada com a proclamação de duas leis de anistia: a de Obediência Devida e a do Ponto Final. Mas, em 2005, a Suprema Corte anulou ambas as leis, dando início a um efeito cascata de ações em diversas instâncias movidas por familiares e vítimas da ditadura. Dos outros quatro presidentes da ditadura argentina, apenas o antigo general Jorge Rafael Videla, que liderou o golpe de 1976, está vivo. Ele foi condenado em 2008 a prisão perpétua por mais de 900 casos de sequestros, torturas, desaparecimentos e assassinatos. Aos 84 anos, Videla aguarda o julgamento de um recurso que impetrou na Suprema Corte.

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