A versão brasileira do terror é mais organizada do que se imaginava. O PCC (Primeiro Comando da Capital) monitora a polícia, movimenta milhões de reais e, cada vez mais, tem se estruturado como uma empresa e um movimento social a serviço do caos, que novamente se instaurou em São Paulo. Até o início da noite da quinta-feira 13, a facção deflagrou 106 ataques contra forças policiais, prédios públicos, ônibus, supermercados, agências bancárias, lojas de automóveis e até uma ambulância. Uma bomba explodiu num pátio interno do Shopping Center Aricanduva, zona leste da capital. Ninguém se feriu. Mas várias pessoas morreram em outras ações, a maioria delas agentes penitenciários e seus parentes, as vítimas preferenciais dos bandidos. Em meio ao pavor que tomou conta da cidade, ISTOÉ teve acesso à cópia de um caderno que registra o dia-a-dia do grupo.

A peça que revela o funcionamento da organização foi apreendida em julho do ano passado, pelo Departamento de Investigações Criminais da Polícia Civil de São Paulo (Deic). Estava nas mãos do assaltante Deivid Surur, o “DVD”, principal tesoureiro do PCC. Responsável pela contabilidade do grupo, ele foi enforcado na cadeia. “Essa agenda revelou as entranhas do PCC, é uma radiografia que permitiu conhecer mais profundamente o funcionamento dessa organização”, disse o delegado Ruy Ferraz Fontes, que desde 2001 investiga a facção. Até agora, boa parte do material estava sob sigilo.

Em apenas nove meses, de setembro de 2004 a junho de 2005, o PCC movimentou R$ 4.491.591. O dinheiro tem origens diversas. Desde o “dízimo”, como é chamada a mensalidade que a organização cobra de seus criminosos, até aluguel de armas e venda de drogas. Em junho de 2005, por exemplo, a receita foi de R$ 591.493. Trata-se da soma da arrecadação nas oito zonas em que Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, o líder da facção, dividiu o Estado de São Paulo (Centro, ABC, Interior, Baixada, Zona Oeste, Zona Norte, Zona Sul e Zona Leste). Entre as despesas, destaca-se a aquisição de um fuzil belga por R$ 20 mil. E de três outros (dois AR-15 e um AK-47) por R$ 46 mil. Além de comprar, o PCC também vende e loca armamentos. A lista de “ferramentas”, como são tratadas as armas pelo tesoureiro “DVD”, incluiu pistolas 9 milímetros e granadas. Só num mês, o PCC comprou 2.340 balas de fuzil.

Além dos investimentos em armas e munições, a relação de gastos do PCC traz as despesas com presos associados. Eles recebem auxílio regular da organização. A “ajuda”, conforme consta das anotações, chega a R$ 85 mil por mês. Há registros, ainda, de gastos com aluguel de carros blindados, honorários de advogados e despesas médicas. Um item recorrente diz respeito a uma caridade já conhecida da associação criminosa: o pagamento das despesas de velórios de comparsas. A vertente assistencialista do grupo inclui também a distribuição de cestas básicas, compradas no atacado. A contabilidade registra até rifas como fonte de renda. O grupo faz sorteios regulares para arrecadar fundos. Entre os prêmios, estão carros zero-quilômetro, motos e aparelhos de tevê de 29 polegadas. Ao longo dos dez meses relacionados no caderno do tesoureiro “DVD”, o PCC teve despesas da ordem de R$ 2.861.907 e um lucro de R$ 1.629.684.

O caderno mostra também que a facção faz girar o dinheiro que arrecada. O grupo praticamente montou um banco informal que empresta dinheiro a bandidos. “Temos R$ 585.100 emprestado (sic) para irmãos”, escreveu o “tesoureiro” da organização, em junho do ano passado. Os documentos revelam ainda os negócios astronômicos com as drogas. São operações de compra e venda de cocaína e crack, principalmente. O tesoureiro registrava, em códigos, as medidas, os preços e a movimentação da droga nas áreas controladas pela facção.

Os papéis apreendidos pela polícia comprovam que a organização acompanha de perto o trabalho da polícia. A facção criminosa controla toda a radiofreqüência da polícia paulista. Estão listadas 26 freqüências de rádio da Polícia Civil e outras 18 da Polícia Militar. Dessa forma, os líderes do PCC sabem, com antecedência, das operações, prisões e transferências de presos. Para o delegado Ruy Fontes, o caderno apreendido com o marginal é a principal descoberta da cruzada contra o PCC. Mas, pelo que mostram os últimos fatos, ainda não foi suficiente para as autoridades encontrarem uma forma eficaz para combatê-lo.

Os celulares continuam sendo uma arma nas mãos dos bandidos. Foi novamente através dos aparelhos de telefonia móvel que eles organizaram um segundo ataque no Estado de São Paulo. A ordem partiu do Centro de Detenção Provisória 1, de Franco da Rocha. Como há muito se sabe, a entrada desses aparelhos nos presídios é proibida. Mas eles continuam chegando pelas mãos de advogados de presos, prestadores de serviço, voluntários das inúmeras ONGs que atuam no sistema prisional ou até por meio de funcionários dos presídios que, ameaçados pelo crime organizado, acabam cooptados por ele. Entre as motivações para a nova ofensiva está a prisão, na noite da terça-feira 11, de Emivaldo da Silva Santos, o “BH”, que funcionava como uma espécie de gerente do PCC na região do ABC paulista. Outro fator seria a divulgação de uma lista com o nome de 40 chefes da facção que seriam transferidos para o recém-inaugurado presídio federal de Catanduvas, no oeste do Paraná. Além disso, as péssimas condições dos internos nas penitenciárias de Araraquara e Itirapina, ambas destruídas em rebeliões, e o excessivo número de “irmãos” no duro Regime Disciplinar Diferenciado, em que o detento fica praticamente em estado de isolamento, também são apontados como causas para o novo desafio à ordem pública.

A polícia sabe que as finanças do PCC estão em ascendência. Calcula-se que, hoje, a facção esteja arrecadando mais de R$ 700 mil. Parte significativa com o transporte coletivo. O PCC controla diversas cooperativas que operam linhas alternativas na capital e Grande São Paulo. Daí a tática de incendiar ônibus das empresas que prestam serviço às prefeituras. Com a frota oficial fora de circulação, o transporte fica a cargo das vans e microônibus dessas cooperativas. O lucro para o PCC é certo. Após a prisão de “DVD”, a cúpula da organização decidiu não mais centralizar as contas numa só pessoa. O dinheiro agora é espalhado, quase sempre em contas de laranjas, para driblar o risco de perder o fruto da atividade criminosa de uma só vez.

R$ 4,5 mi passaram pelo caixa do PCC entre set/04 e jun/05

R$ 700 mil é a arrecadação mensal estimada da facção