FOTOS: ROBERTO CASTRO/AG. ISTOÉ

COMEMORAÇÃO O tucano Tasso Jereissati vibra com a vitória da oposição

Na manhã da quinta-feira 13, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, atendeu o telefone. Do outro lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da Venezuela, ordenou com uma voz mais rouca do que o habitual: “Suspenda a política industrial e recolha o Orçamento para a gente ver que outros cortes vamos fazer.”

A determinação era a consumação de uma sucessão de erros que levou o governo a ser derrotado no Senado na madrugada anterior ao telefonema. A não aprovação da lei que prorrogaria a cobrança da CPMF representa uma perda de R$ 40 bilhões anuais e a ordem transmitida pelo presidente era o primeiro passo na direção de compensar a perda. Cortar despesas não é a única intenção de Lula ao suspender a política industrial, que representaria R$ 6 bilhões em desonerações do setor produtivo. O presidente enxerga no empresariado a principal força que se moveu contra o imposto do cheque, especialmente a Fiesp. Ao suspender o envio do projeto de lei que desonerava a indústria, Lula imagina atingi-la em cheio. E, ao determinar que o ministro retire do Congresso a proposta de Orçamento Geral da União para 2008, o presidente deixa claro que passará a caneta em várias áreas, podendo escolher obras e investimentos nos Estados dos principais líderes que trabalharam contra a CPMF.

Depois de conversar com o presidente, Mantega chamou a imprensa para acalmar o mercado financeiro e atribuiu a derrota do governo à intransigência da oposição. “Vamos minimizar alguns prejuízos que a não aprovação dessa lei poderá causar”, anunciou o ministro. “O que falhou é que havia um núcleo da oposição que não queria fazer nenhum tipo de acordo.” Apesar do discurso jogando à oposição todo o peso da derrota, em suas avaliações internas o governo admite que falhou. E entende que a principal falha foi contar que tudo seria resolvido num acordo com o PSDB. A negociação com os tucanos rachou o partido, colocando os governadores de um lado e os parlamentares de outro. Para não se destruir em frangalhos, os tucanos resolveram votar contra a proposta do governo, mesmo contrariando a vontade de seus dois principais presidenciáveis, os governadores de Minas Gerais, Aécio Neves, e de São Paulo, José Serra. Ao contar com a possibilidade de rachar o PSDB e contar com seus votos, o governo esqueceu-se de garantir o apoio da sua própria base. Os partidos que apóiam Lula somam 53 senadores. E o governo só obteve 45 votos a favor da CPMF. Precisava de 49. A contabilidade dos votos consumada na madrugada da quintafeira era conhecida na véspera.

Na manhã da quarta-feira 12, Lula deixou o Palácio do Planalto e foi tomar café com o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do DEM, em sua residência. Lá, manteve um encontro com o senador Marconi Perillo, do PSDB de Goiás. A conversa foi em vão. Arruda não conseguiu um voto do DEM e Perillo votou contra a CPMF. Na madrugada da dorrota o governo tentou ainda um último lance. Lula encaminhou uma carta ao presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDBRN), com uma outra carta anexa, assinada pelos ministros Guido Mantega e José Múcio Monteiro, da Articulação Política. Nos textos estava registrado o compromisso de que o governo passaria a usar a CPMF apenas para os gastos com a saúde. Mesmo assim, a mudança se daria de forma progressiva, até 2010. E com um acréscimo: os gastos da Previdência com inativos passariam a ser considerados despesas com saúde. O senador Romeu Tuma (PR-SP), um dos nomes que o governo pretendia conquistar, reagiu imediatamente. “Romero, você não leu a carta? Isso fica ruim”, disse Tuma, dirigindo-se ao líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR).

A DERROTA Placar do Senado registra os números finais

O empenho foi enorme, mas, ao contrário do que alguns ministros apregoaram durante as últimas semanas, a perda da CPMF não representa necessariamente o caos. Batendo recordes de arrecadação, o governo tem gasto muito. Este ano, por exemplo, os gastos da máquina pública tiveram um aumento de 10%, enquanto o crescimento do PIB foi de 5%. Ou seja, se gastar com mais disciplina, é absolutamente viável manter os investimentos responsáveis pela manutenção do crescimento econômico. As únicas áreas que o presidente Lula pediu para Mantega preservar são o programa Bolsa Família e as obras do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. “Lula não abrirá mão desse binômio”, diz a senadora Ideli Salvatti, do PT catarinense. “Essa é a bandeira dele.” Mas, para manter a bandeira, o presidente vai congelar novos reajustes de salários na Esplanada dos Ministérios, economizando R$ 2 bilhões anuais. Impostos existentes serão aumentados, entre eles o Imposto de Renda dos bancos, que até outubro deste ano, rendeu R$ 10 bilhões.

As obras do PAC da área de infra- estrutura, que em boa parte têm parcela de dinheiro privado, não serão afetadas, mas o PAC da Saúde sofrerá impacto. Estavam previstos R$ 24 bilhões a mais para o setor, com a aprovação da CPMF. Com isso, os Estados, que já vivem um caos no atendimento hospitalar, não terão aumento do teto de repasses do SUS. O governo federal também poderá mexer nas transferências para o chamado Sistema ‘S’, que compreende Sesi, Senai e Senac, entidades administradas pelas representações da indústria e do comércio.

Mas a maior perda para os governadores talvez seja mesmo a decisão do governo de abortar a renegociação de dívidas estaduais. A primeira negociação que foi fechada pelo Ministério da Fazenda nesse sentido foi com o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi. Ele queria renegociar R$ 4,8 bilhões de dívidas com a União, emitindo títulos no Exterior, prolongando o perfil da dívida e reduzindo os encargos. Segundo dois senadores da base governista ouvidos por ISTOÉ, Lula estava disposto a renegociar dívidas de São Paulo e Minas Gerais, nos mesmos moldes. Agora, esses planos deverão ser abortados. Mas há acordos que foram prejudicados antes mesmo da derrota da CPMF. O senador Expedito Júnior, do PR de Rondônia, não votou pela prorrogação da CPMF, já que o governo federal não aprovou rolagem da dívida do Beron, o banco estadual. “O governador Ivo Cassol saiu daqui dizendo que o ministro Guido Mantega não sinalizou com boa vontade para resolver o problema da dívida, que hoje dá uns R$ 5 bilhões”, lamentou Expedito. “O ministro Alfredo Nascimento (Transportes) pediu várias vezes para aprovarmos a CPMF, eu e o senador César Borges, mas eu disse que ia votar contra.”

A derrota do governo na votação da CPMF poderá provocar mudanças na Esplanada dos Ministérios. “O ministro que não conseguiu garantir sua bancada na votação fica com situação constrangedora”, admitiu Ideli Salvatti. A senadora acha que os senadores que representam o setor produtivo deram um tiro no pé ao votar contra a prorrogação da CPMF, pois era um imposto cobrado também do setor informal. Agora, diz ela, o governo terá de jogar o ônus para o setor formal da economia.

Com a queda da CPMF, os brasileiros deixam de pagar a contribuição a partir do dia primeiro de janeiro. O imposto é descontado automaticamente de todas as operações financeiras. Além de uma gorda arrecadação, o governo perde um dos maiores instrumentos de controle da sonegação e de investigação do crime organizado. Para identificar um sonegador ou lavador de dinheiro, basta hoje à Receita Federal cruzar as movimentações da CPMF com a declaração do Imposto de Renda do investigado. Sem a CPMF, o governo terá de recorrer ao sistema antigo, de pedir autorização judicial para a quebra do sigilo bancário. A cada quatro anos, o governo recolhia uma CPMF extra, só com multas sobre os sonegadores e criminosos.