20/04/2010 - 15:42
Aos 102 anos, o arquiteto Oscar Niemeyer fala de Brasília, sua filha pródiga, com o carinho de um pai, mas em entrevista à AFP confessou sentir-se “triste” com as “disparidades sociais” da capital brasileira, que comemora 50 anos esta quarta-feira, embora tenha ressaltado que ainda quer continuar “surpreendendo”.
Com as celebrações do cinquentenário de Brasília batendo à porta, o arquiteto mais famoso do Brasil recebe tantos pedidos de entrevistas quanto de novos projetos e, devido à recuperação de um problema na coluna, responde às perguntas dos jornalistas por e-mail, explicou sua esposa, Vera.
Pela mesma razão e pelo medo de voar – que o identifica quase tanto quanto à fidelidade ao comunismo -, ele não estará presente nos festejos previstos para a grande data.
“Não posso ir de carro a nenhum lugar tão distante”, explicou à AFP Niemeyer, que mora no bairro carioca de Copacabana, a 1.400 km da capital federal, erguida no nada em 1960.
“Vou acompanhar as comemorações pelos meios de comunicação com o maior interesse”, afirmou.
Brasília representa “um momento importante da prolongação e busca renovada da arquitetura mais livre e criativa que venho defendendo desde os meus trabalhos que compõem o complexo da Pampulha, em Belo Horizonte”, explicou.
Para as festividades por ocasião do aniversário de Brasília, dois dos edifícios emblemáticos da capital, projetados por ele (o Palácio do Planato, sede do governo, e a catedral metropolitana) foram fechados para as primeiras obras de recondicionamento em meio século.
A Praça dos Três Poderes, situada no enorme espaço entre o palácio presidencial, a sede do Congresso e a Suprema Corte, também foi praticamente reconstruída seguindo fielmente o projeto original de Niemeyer.
Mas do projeto original, “bem pensado”, à atualidade, “Brasília mudou muito”, considerou Niemeyer.
“As cidades-satélite, por exemplo, se expandiram demais, aproximando-se bastante do Plano Piloto”, afirmou, em alusão aos limites do projeto original da cidade, caracterizada por grandes espaços abertos, esplanadas e construções de linhas simples e concisas.
No entanto, suas maiores críticas não se dirigem às mudanças de fisionomia de uma cidade que cresce.
“As profundas disparidades sociais que a nova capital apresenta me deixam muito triste”, confessou.
“É evidente que compreendo os problemas que derivam de uma metrópole que cresce e representa, infelizmente, o regime capitalista com todos os seus vícios e injustiças”, continuou.
Reconhecido como um dos grandes renovadores da arquitetura do século 20, Niemeyer é um fervoroso militante comunista, ganhador do prêmio Lênin da Paz (1963), em um país marcado pelas desiguandades sociais.
Em mais de 70 anos de trabalho, Niemeyer assinou mais de 600 projetos em todo o mundo, uma história que o levou a ser uma figura emblemática do movimento modernista brasileiro. Mas foi a concepção de Brasília, ao lado do urbanista Lúcio Costa, em 1960, que o tornou célebre, rendendo-lhe prêmios como o Pritzker (considerado o Nobel de arquitetura), em 1988.
Ele também participou da concepção da sede da Organização das Nações Unidas (1952), em Nova York, e desenhou o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (1996), famosa pela forma de disco voador.
A França, que o acolheu nos anos de exílio, durante a ditadura militar, contra com cerca de vinte obras suas, entre elas a sede do Partido Comunista de Paris (1965) e a Casa de Cultura em Le Havre (1972).
O arquiteto revelou que gostaria de poder concretizar um estádio de futebol que projetou "há muito pouco tempo e que apresenta uma forma bastante surpreendente".
Entre seus projetos em andamento, Niemeyer, que é conhecido pelas obras curvilíneas e sinuosas com o corpo da mulher, segundo ele próprio define, destacou "a torre digital para Brasília, e a Universidade Latino-americana em Foz do Iguaçu", um projeto que visa a receber estudantes da região e dar a eles uma formação completa e abrangente, como a que defende o centenário arquiteto.
Fora do Brasil, Niemeyer ressaltou "o Porto da Música em Rosário, Argentina, e sobretudo, o centro cultural de Avilés, na Espanha".
O arquiteto disse, no entanto, que não tem projetos "prediletos": todos "foram elaborados com todo o entusiasmo e o carinho", resumiu, com simplicidade.
Oscar Niemeyer nasceu em 15 de dezembro de 1907, no Rio de Janeiro. Concluiu o ensino superior em 1928, ano em que se casou com Annita Bildo, com quem teve uma filha. Foram casados durante 60 anos até a morte de Annita, em 2004.
Em 1934, se diplomou arquiteto e no ano seguinte entrou no estúdio de Lúcio Costa e Carlos Leão, onde preferiu trabalhar de graça a se adaptar à "arquitetura comercial", em voga na época.
Em 1936, encontrou-se com Le Corbusier durante um projeto no Rio e, em 1939, viajou com Lúcio Costa para os Estados Unidos, onde construiu o pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York.
Foi em 1940, quando conheceu o futuro presidente brasileiro, Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte, que lhe pediu para criar o "Complexo da Pampulha", concluído em 1943, seu primeiro grande trabalho. Como presidente, Kubitschek incumbiu Niemeyer da "alegria" – em suas palavras – de construir Brasilia, inaugurada em 1960.
"Queríamos fazer uma arquitetura diferente, que gerasse surpresa, suscitasse um maior interesse. Queríamos fazer imóveis que gerassem certo estupor por serem diferentes", disse sobre a cidade.
Aos 102 anos, Oscar Niemeyer se mantém ativo e trabalhando em seus projetos no atelier de janelas curvas, em frente à praia de Copacabana.