É uma invasão da intimidade que escancara o fundo da alma e convida à reflexão. As nuanças de claro e escuro e as brincadeiras com as sombras remetem ao “momento decisivo” – seria naquele instante, ou nunca mais. Talvez quem melhor tenha sintetizado sua obra seja o próprio Henri Cartier-Bresson (1908-2004): “Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração.” Essa ótica pode ser conferida na seleção de 155 imagens, feita pelo fotógrafo francês e seu editor, Robert Delpire, em cartaz no Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro. A mostra resgata o que ambos consideravam a síntese do pensamento e estética de Bresson. Imagens de tirar o fôlego impressionam pela sagacidade do olhar, pronto para captar apenas o necessário com sua pequena e ágil câmera Leica.

Bresson marcou uma geração de fotógrafos a partir dos anos 30, que aderiram à mobilidade da Leica e à precisão que proporciona ao instante. Hoje, a fábrica Leitz está fechando as portas por não ter saltado a tempo para o século XXI com suas câmeras digitais. O fotógrafo passeia pelo mundo, pelas imagens de pobres e oprimidos, pelas cenas dos abastados e solitários. As crianças também marcam uma forte presença em seu trabalho. Os grãos ampliados transformam as imagens em sugestões, como ocorre em um clássico ângulo da Île de la Cité, de 1952, em que o nevoeiro dissolve a silhueta do local
onde nasceu Paris. Bresson extrai poesia da pobreza, assim como capta o olhar carregado de cifrões de banqueiros de Wall Street, em 1946. Mulheres de costas para a câmera e de frente para o perfil das montanhas remetem a uma Índia
bíblica, na Caxemira de 1948. Também de costas, um grupo de franceses que
hoje seriam tachados de obesos se delicia, dez anos antes, em um singelo piquenique às margens do rio Marne, regado a vinho tinto barato. São os cliques anônimos da vida cotidiana.

História – Mesmo os registros de fatos históricos ganham um olhar inusitado. A cremação de Gandhi, em 1947, fez parte da multidão subir em um frágil tronco que envergava sob o peso. Entre o público que assistiu à coroação de George VI, na Londres de 1938, um bêbado caído no chão cercado de jornais faz lembrar o mendigo de Chaplin. Um dos mais sensíveis retratos de personalidades traz o pintor francês Henri Matisse, em 1944, cercado pelas pombas brancas que reproduzia em seus quadros. Com uma trajetória de respeito ao ser humano e ao meio ambiente, Bresson morreu no ano passado, aos 95 anos.

A mostra, organizada pelo FotoRio 2005, um encontro internacional com 105 exposições espalhadas pela cidade, o elegeu o “Olho do século”. As fotos viajaram pelo mundo e originaram o livro Henri Cartier-Bresson – fotógrafo, à venda no Centro Cultural Banco do Brasil por R$ 600. O coordenador-geral do FotoRio, o jornalista e fotógrafo Milton Guran, resume: “Não é uma mostra exclusiva, mas clássica.” A montagem carioca foi inaugurada pela viúva de Bresson, Martine Frank, presidente da Fundação Henri Cartier-Bresson, que parece colocar em prática o pensamento do marido: “Fotografar é uma maneira de viver.”


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias