Ao imaginar as cenas mais picantes exibidas na primeira semana de Páginas da vida, a nova novela do horário nobre da Rede Globo, não passou pela cabeça do autor Manoel Carlos que a vida real causaria mais impacto, escândalo e polêmica que o próprio enredo que ele escreveu. Ao final de cada capítulo, é colocado no ar o depoimento real de uma pessoa que, mais ou menos, aborda o tema que a novela exibiu naquela noite. Foi assim que os diálogos e as cenas insinuantes de sexo a três entre os personagens Olívia (Ana Paula Arósio), Silvio (Edson Celulari) e Isabel (Vivianne Pasmanter) se tornaram água-com-açúcar diante do alvoroço causado pelo depoimento de uma dona-de-casa de 68 anos, que se manteve no anonimato. Como o tema do capítulo foi sexo, a dona-de-casa mandou brasa e escancarou para todo o Brasil que havia tido o primeiro orgasmo de sua vida aos 45 anos, masturbando-se, após ouvir os seguintes versos da canção Côncavo e convexo, de Roberto Carlos: “Nossas curvas se acham/ nossas formas se encaixam/ na medida perfeita.” Terminada a fala, a emissora foi bombardeada por telespectadores atônitos com 560 cartas e e-mails. A sensação clara é de que se passou dos limites.

Páginas da vida não somente fala muito de sexo, mas também o exibe. O escaldante strip-tease da belíssima Olívia, que foi ao ar na quinta-feira 13, alcançou 46 pontos no Ibope – com picos de 52 pontos. Na mesma noite os telespectadores também vislumbraram, no melhor estilo voyeur, a imagem dos seios de Sandra (Danielle Winits), exibidos pela fresta de uma porta. No sábado 15, quando o depoimento da fã de Roberto Carlos foi ao ar, a novela cravou 40 pontos, com picos de 45 – índices menores que o da estréia, que chegou a 49 pontos. Páginas da vida, segundo Manoel Carlos, chegou para abalar as estruturas, mas por enquanto a oscilação da audiência indica que o gosto do público parece não corresponder a alguns excessos de Manoel Carlos. Ele se surpreendeu, por exemplo, com a reação de desaprovação do público à cena de nudez de Ana Paula Arósio: “Foi de muito bom gosto e sem vulgaridade, feita para o marido da personagem. Além disso, há muitos cursos de strip-tease no Rio de Janeiro.” Já em relação ao depoimento de sábado, no qual a anônima descreveu em detalhes o seu onanismo, o autor fez um mea-culpa: “Cometi um erro de avaliação. Pisei na bola.” Jurou que esse tipo de coisa não se repetirá e lamentou pelas crianças que assistiram ao capítulo – só que os depoimentos reais continuarão indo ao ar.

Esses depoimentos desabridos começaram a ser produzidos antes mesmo que os primeiros capítulos da novela fossem gravados. “Passei alguns dias freqüentando livrarias, bares e restaurantes, caminhando pelas ruas e pelas praias”, diz o diretor Jayme Monjardim. Daí veio a idéia de filmar moradores do Leblon. Manoel Carlos gostou e aprovou imediatamente a sugestão e a missão foi dada ao jornalista Gustavo Nogueira, que já tem guardado cerca de 100 relatos. Após a edição do material, os depoimentos foram apresentados ao elenco, para que a equipe entrasse no clima. “Nossa proposta é mostrar que a vida de pessoas reais também pode ser um capítulo de novela. É sempre surpreendente a força e a verdade com que elas falam de si”, diz Monjardim.

A idéia é manter as pequenas declarações por tempo indefinido, a partir das 22h, horário permitido pelo Ministério da Justiça. O Ministério acaba de baixar uma portaria determinando que menores de 16 anos poderão assistir a filmes e espetáculos antes vedados, desde que acompanhados pelos pais. Nesse caso, eles são os responsáveis por eventuais excessos a que seus filhos assistam – e é correto o Estado não interferir nessa decisão. Em relação à Páginas da vida, a responsabilidade é muito mais da Globo, já que é impossível saber antecipadamente o que a novela vai mostrar.