As previsões meteorológicas não deixavam dúvida: a última chance de chegada ao cume do Everest na primavera de 2005 seria na quinta-feira 2. Depois dessa data, o verão traria as nevascas e os alpinistas perderiam o direito de circular pela montanha. Calejados após quase dois meses de aclimatação e diversas tentativas de ataques ao cume, quatro brasileiros lançaram-se pela última vez às paredes de gelo, decididos a chegar ao topo do mundo. Três conseguiram. O paulista Vítor Negrete, 37 anos – da equipe Try On Expedition II –, e os paranaenses Waldemar Niclevicz, 39, e Irivan Burda, 33, se encontraram casualmente no ponto mais alto do planeta por volta do meio-dia de quinta-feira. Rodrigo Raineri, 36 anos –, parceiro de Negrete – percebeu que não conseguiria voltar ileso ao acampamento se seguisse adiante e desistiu a menos de 50 metros do cume.

Provavelmente, foi a decisão mais difícil de sua vida. Porém, a mais acertada,
já que o atraso faria com que ele pegasse noite cerrada e tempestades durante a descida. A curta distância de meio quarteirão pode levar mais de uma hora para
ser transposta quando se está a mais de oito mil metros de altitude, o vento ultrapassa 70 quilômetros por hora, a sensação térmica é de 42 graus negativos
e a dificuldade de respirar é enorme. Próximo ao topo do Everest (8.850 metros), eram essas as condições climáticas no momento da vitória, segundo o meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inep), Marcelo
Romão. Nas últimas semanas, Romão recolheu dados climáticos e enviou a cada 12 horas relatórios com a previsão de vento, umidade e temperatura em diferentes pontos da montanha com três dias de antecedência. “Os ventos no Everest
estavam acima da média esperada, o que enalteceu muito a vitória deles”, diz. Em São Paulo, o alpinista Tomás Gridi Papp compilava outros indicadores, oferecidos por diferentes institutos meteorológicos, e os enviava por e-mail ao Everest, onde eram transmitidos por rádio a Raineri e Negrete por Guilherme Setani, apoio da expedição no Acampamento-Base.

Tomás Papp foi a primeira pessoa no Brasil a receber as boas-novas. Às cinco
da manhã (hora de Brasília), foi acordado por um telefonema de Setani. “A
ligação estava ruim, mas ele contou que o Vítor havia alcançado o cume por volta do meio-dia (quatro horas da manhã aqui) e que tinha encontrado o Waldemar e o
Irivan lá em cima. Disse também que o Rodrigo foi obrigado a desistir por causa do horário”, lembra. Logo, a notícia chegou a Sueli Rumi, assessora de imprensa
da expedição em São Paulo, que avisou a esposa de Negrete, Marina Soler, 27
anos. Mãe de Leon, de um ano e dois meses, Marina está grávida de 20 semanas. Havia falado com o Vítor pouco antes de ele partir para o cume, ainda na quarta-feira. “Sueli me contou da ligação do Tomás, mas disse que esperava confirmação. Peguei minhas coisas e fui trabalhar”, conta ela, que prefere esperar o marido chegar em casa para comemorar.

Façanha renovada – Negrete e Raineri escolheram a face norte do Everest, via Tibete, para fazer sua primeira expedição na maior das montanhas. Seu plano era chegar ao cume sem oxigênio suplementar, usado pela maioria dos alpinistas em altitudes superiores a oito mil metros. Quando perceberam que o final da temporada se aproximava e que insistir na façanha significaria desperdiçar a oportunidade, decidiram recorrer à tecnologia. Já a dupla Niclevicz e Burda tinha como objetivo repetir uma façanha de 1995. Dez anos atrás, Niclevicz foi o primeiro brasileiro a alcançar o cume, ao lado do carioca Mozart Catão (morto no Aconcágua em 1998). Subiram pela face sul, via Nepal, rota preferida pelos alpinistas por serem os ventos menos intensos. Burda fez sua primeira expedição ao Everest ao lado de Niclevicz em 2002, mas, na ocasião, uma avalanche abortou seu sonho a 8,3 mil metros de altura. “Sempre acreditei que o Irivan chegaria lá. Acreditava na prudência dele, mas ficar alguns dias sem notícias era suficiente para me deixar apreensivo. Estou orgulhoso por ele ter conseguido aproveitar a oportunidade”, diz Irineu Burda, pai de Irivan.

Além das duas duplas, o casal Paulo e Helena Coelho, de São Paulo, também passou os últimos dois meses no Everest, esperando uma janela de bom
tempo que lhes permitisse chegar ao topo. Eles nem sequer levaram cilindros de oxigênio para emergências e, segundo informações do portal Everest News, deixaram o acampamento rumo ao Brasil no mesmo dia em que Negrete,
Niclevicz e Burda tiveram êxito. Até agora, estima-se que menos de 100 pessoas tiveram a mesma alegria dos três em 2005. No ano passado, foram mais de 300
no mesmo período, graças às melhores condições climáticas. O encontro das expedições no topo do Everest no dia 2 alterou o quadro do alpinismo no País.
Agora, são quatro os brasileiros que já deixaram pegadas no topo do planeta.
Três deles estão vivos e um repetiu a dose. Todos, como é de esperar, prometem tentar novamente no ano que vem.