O capitalismo brasileiro viveu um momento inusitado na semana passada. A Sadia, líder no setor de alimentos, avançou sobre a Perdigão, sua principal concorrente. A oferta, realizada na manhã da segunda-feira 17, parecia irrecusável: R$ 3,7 bilhões, 35% acima do valor de mercado da Perdigão na Bolsa de Valores. No entanto, foi prontamente rechaçada pelos dirigentes e principais acionistas, entre eles os poderosos fundos de pensão Previ e Petros. Seria apenas mais uma tentativa de transação bilionária envolvendo duas tradicionais empresas de origem familiar. Mas dois aspectos do negócio chamaram a atenção de investidores, órgãos reguladores e consumidores.

Primeiro, causou furor a forma como a Sadia deu o bote: uma oferta hostil de compra por meio do mercado acionário. Comum nos Estados Unidos e na Europa, foi a primeira tentativa do gênero no País. O segundo aspecto relevante é a possibilidade de aumentar a concentração no mercado de alimentos. Juntas, Sadia e Perdigão dominam vários segmentos, como os embutidos de carnes e congelados, e poderiam virar um perigoso monopólio. Em alguns casos, como os pratos prontos, a participação combinada das vendas passa de 90%.

Todo mundo sabe que, quando falta competição entre as empresas, as líderes aumentam suas margens e o preço no supermercado sobe. “A fusão de duas empresas dominantes como Sadia e Perdigão seria um mau negócio para o setor de varejo e os consumidores”, diz Claudio Felisoni, coordenador-geral do Programa de Administração de Varejo (Provar) da Universidade de São Paulo. O poder de fogo da Sadia já é grande – sua marca de presunto é a mais lembrada por 93% dos consumidores de alta renda e por 51% dos de baixa renda, segundo pesquisa Provar/Canal Varejo – e ficaria ainda maior.

O próprio presidente do Conselho de Administração da Sadia, Walter Fontana, admite esse risco. “Poderá haver a discussão sobre a concentração dos produtos. Vamos respeitar todas as eventuais determinações dos órgãos de defesa da concorrência”, afirmou a ISTOÉ, na tarde da segunda-feira. Em ocasiões anteriores, o Cade, órgão regulador, tomou providências para proteger os consumidores. Na criação da AmBev, que juntou as cervejarias Brahma e Antártica em 1999, determinou a venda de cinco fábricas e a venda da marca Bavária. Em 2004, vetou a compra da Chocolates Garoto pela Nestlé. Não existe uma fórmula mágica para determinar a postura do governo caso aconteça a compra da Perdigão pela Sadia – na quinta-feira 20, a pretendente aumentou a oferta em 4%, para R$ 3,9 bilhões. “Cada caso é um caso. Cerveja é diferente de chocolate, que é diferente de frango”, diz Gesner de Oliveira, ex-presidente do Cade.

Assim como a AmBev, a Sadia adotou um tom nacionalista para angariar simpatia à sua pretensão. “Nosso objetivo é criar uma empresa forte, capaz de defender os interesses nacionais dentro de um contexto de globalização”, diz Fontana. É um argumento forte, mas nem por isso incontestável. “Para ser grande no Exterior, é preciso ter grandes concorrentes domésticos”, argumenta Ilan Avrichir, professor de relações internacionais no curso de administração de empresas da ESPM.