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PASSADO Kátia trabalhou com
Maria Zilda e conheceu Rodrigo Bethlem
aos 6 anos. "E eu o vi pequenininho, quem diria!"

A atriz Kátia D’Angelo conheceu o pequeno Rodrigo, filho da colega Maria Zilda Bethlem, em 1977, quando ambas começavam a carreira televisiva. O menino tinha, então, 6 anos. As duas atrizes participavam da novela Nina, de Walter George Durst. Kátia já morava na casa às margens do Canal de Marapendi e nem de longe imaginava que o garotinho, muitos anos depois, se tornaria um xerife do prefeito Eduardo Paes (PMDB) e iria tentar removê-la dali. Rodrigo Bethlem Fernandes é hoje secretário da Ordem Pública do Rio e responsável por mandar cumprir a determinação de demolir a casa de Kátia. A decisão foi tomada na administração anterior, do ex-prefeito Cesar Maia, levando em conta que sua residência (e as de mais quatro vizinhos) ocupa uma Área de Proteção Ambiental (APA) na Barra da Tijuca, zona nobre do Rio. O julgamento será na quarta-feira 11, na 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio. A atriz diz que a residência foi edificada antes da existência da APA e esbraveja: "Bethlem quer fazer operações emblemáticas? Então quero ser o emblema de gente que acredita na democracia e vai resistir a essas coisas!" Revoltada, Kátia suspira: "E eu o vi peque nininho, quem diria!"

Desempregada e sem outros bens, a atriz afirma não ter dinheiro sequer para pagar um advogado de defesa. "Quando fui na Defensoria Pública, que é de Justiça gratuita, as pessoas me olhavam estranhando, como se eu não precisasse porque sou atriz. Mas atriz também fica sem dinheiro", diz. A meta da prefeitura é abrir espaço para o plano urbanístico desenvolvido pelo arquiteto Lúcio Costa para a Barra. Esse plano inclui a construção de nova pista de rolamento para desobstrução do trânsito da Barra, asfixiado por congestionamentos constantes. A bela casa de Kátia – que ocupa 200 m2, em dois andares, às margens do Canal da Lagoa de Marapendi – fica bem no meio do caminho e impossibilita a construção das pistas.

A prefeitura defende a ideia de que os cinco imóveis (o de Kátia e de outros quatro vizinhos) devem ser demolidos sem que as famílias sejam indenizadas porque ocupam área de proteção ambiental. Kátia indigna-se com este argumento e conta que seu pai ganhou aquele lote como prêmio da Companhia Litorânea de Imóveis, na qual era diretor de vendas, por ter alcançado metas de negociações. A residência começou a ser construída em 1963. Em 1988 a família conseguiu uma matrícula no 9º Ofício do Registro Geral de Imóveis, o que seria uma pré-regulamentação. Mas a prefeitura não finalizava o processo, já que um decreto anterior municipalizava os terrenos marginais ao canal. Do outro lado do conflito, Rodrigo Bethlem afirma, apenas, que vai cumprir a lei. "Não vou discutir sobre coisas abstratas. Há uma questão na Justiça. O que ela decidir, eu vou cumprir", diz o secretário.

Enquanto se desenrolava a novela das brigas entre os herdeiros da finada Companhia Litorânea (doadora do terreno) e o município, a atriz reformava e ampliava a casa. Ela casou e separou duas vezes – uma delas com o cantor Guarabyra, da dupla Sá & Guarabyra – e teve dois filhos, sendo que o mais velho, Ronny, foi assassinado num baile de Carnaval há 12 anos, no Rio. Kátia construiu, em parte da casa, uma espécie de centro cultural, cujo aluguel para seu grupo de teatro é, garante ela, sua única renda. "Não tenho outra fonte que me sustente", disse na carta aberta enviada ao prefeito Eduardo Paes (PMDB), há poucos dias.

A decadência profissional da atriz contrasta com o início de sua carreira, considerada promissora à época. Depois de fazer filmes de chanchadas nos anos 70, ela protagonizou o longa O Caso Cláudia (1979), sobre o assassinato de Cláudia Lessin Rodrigues, e virou atriz global. Participou de novelas como O amor é nosso! (1981) com Fábio Jr. no auge do estrelato, e Anjo mau (1976). Mas desde Pantanal (1991), da tevê Manchete, Kátia não atua nas telas. Aos 57 anos, a atriz dedica-se inteiramente ao teatro e faz uma proposta à prefeitura: quer doar sua casa inteira, desde que seja transformada em um centro cultural.

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"Bethlem quer fazer operações emblemáticas? Quero ser o emblema de gente que resiste"
Kátia D’Angelo

"Tudo o que estiver em situação irregular será demolido depois da autorização judicial"
Rodrigo Bethlem

Em contrapartida, continuaria morando no local. Isso livraria o imóvel da grande dívida com o Imposto Territorial Urbano, atrasado há anos. Ela diz que o IPTU não podia ser pago porque o município demorou a regularizar os lotes e, no fim da década de 90, obrigou os moradores a doarem as margens para a área ambiental. Agora, o drama terá, finalmente, um último capítulo decidido pela Justiça. Os tratores da prefeitura já estão a postos. "Tudo o que estiver em situação irregular será demolido depois da autorização judicial", avisa Rodrigo.