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EDMARLÂNDIA Moreira fez do palacete, com oito torres
e 35 suítes, imensa área de lazer, onde amigos
poderosos buscam diversão e vizinhos
pobres vão atrás de comida.

Eleito novo corregedor-geral da Câmara, o deputado Edmar Moreira (DEM-MG), a quem caberá analisar, durante os próximos dois anos, eventuais processos por desvios de conduta envolvendo seus colegas, é um sujeito tão encrencado que dificilmente escaparia do crivo de uma corregedoria. Ex-capitão de Polícia Militar, hoje deputado e empresário bem-sucedido, Moreira é dono de um suntuoso castelo localizado no distrito de Carlos Alves, município de São João Nepomuceno, a 60 quilômetros de Juiz de Fora. A mansão tem uma área equivalente a mil campos de futebol – só de terreno construído são 7.500 metros quadrados -, 36 suítes com hidromassagem, oito torres, um lago artificial, uma piscina com cascata e uma cozinha industrial. Cada suíte, equipada com sala de estar e closet, leva o nome da cor do granito que reveste o banheiro. "Parece um castelo medieval", conta o deputado juiz-forense Júlio Delgado (PSBMG). Depois de funcionar, quase 20 anos, como uma casa de campo para Moreira e sua mulher, Júlia Fernandes, desfrutarem os fins de semana e recepcionar até presidentes da República, como Itamar Franco, em 1993, o palacete está à venda. O valor: R$ 25 milhões.

Até aí, tudo bem. O problema é que o novo corregedor da Câmara, em sua declaração de bens à Justiça Eleitoral nos anos de 1998, 2002 e 2006, refere-se à mansão como uma mera "casa" e "um terreno" avaliados em apenas R$ 17,5 mil. O valor declarado por Moreira não daria para pagar nem a área de lazer do terreno constituída de sauna, salão de jogos e espaço fitness. Ele alega que, em 1993, repassou o Castelo Monalisa, como é conhecido, para os filhos Júlio e Leonardo – este deputado estadual. "Tenho tudo lançado no Imposto de Renda. E tenho a fonte de renda para construir o castelo. Sou empresário de segurança e houve uma época em que tive oito mil funcionários", justificou o corregedor. Só que na declaração de bens de Leonardo Moreira ao TRE de Minas, em 2006, consta apenas um terreno na área rural de Carlos Alves, orçado em R$ 3 milhões, um valor oito vezes menor do que o imóvel está sendo vendido. Ou seja, no imposto mesmo, o castelo sumiu.

O patrimônio declarado de Moreira em 2006, que inclui ainda uma casa no Guarujá, outra em Santa Cecília, em São Paulo, dois imóveis em Juiz de Fora, e participação em empresas de segurança e vigilância, somou R$ 9,5 milhões – metade do valor do palacete. Subavaliar os valores de imóveis é sonegar impostos. Por muito menos, dois secretários de Estado prestes a serem nomeados pelo presidente dos EUA, Barack Obama, tiveram que abrir mão dos respectivos cargos. Segundo a Receita Federal, sonegadores contumazes têm o hábito de recorrer ao mercado imobiliário para comprar imóveis e registrá-los por valores mais baixos e não levantar suspeitas sobre o seu patrimônio. A mesma estratégia é usada por algumas construtoras para fazer caixa 2.

A possível venda do palácio já mexe com o cotidiano dos cerca de dois mil habitantes do distrito de Carlos Alves. Muitos moradores do local, conhecido por abrigar pessoas de baixíssima renda, costumam se dirigir quase diariamente aos portões do castelo para pedir comida. Alguns são atendidos, embora nem saibam quem more lá. "Só pode ser um rei", diz Sebastião Silva, verdureiro de 56 anos. "Eu sei que o dono é o capitão Edmar, ele até dá muitas festas lá", diz Francisco Alves, morador do distrito e mais bem informado.

Além de driblar o Fisco, Moreira também tem problemas com o INSS. Ele e sua mulher respondem a um inquérito que tramita em segredo de Justiça no STF por apropriação indébita e crime contra o patrimônio. Moreira é acusado de reter contribuições ao INSS feitas por seus empregados na F. Moreira Empresa de Segurança e Vigilância Ltda., sediada em São Paulo. Ele foi denunciado à Justiça em dezembro de 2007 pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza. Na denúncia, o procurador diz que os impostos foram descontados dos funcionários da empresa de vigilância, mas não foram repassados ao governo. A dívida é de R$ 1 milhão. O relator do processo no STF é o ministro Eros Grau e caso a denúncia seja aceita o parlamentar passará à condição de réu.

Além dos problemas jurídicos, o castelo medieval agora pode lhe trazer problemas políticos. Na quinta-feira 5, o DEM divulgou nota pedindo a renúncia de Moreira da corregedoria e, pelo visto, o senhor do castelo deve perder o trono.

Um dia após ser eleito 2º vice-presidente da Câmara, e, segundo o regimento interno, corregedor, Moreira propôs que os deputados não julgassem mais os próprios colegas. A Justiça, segundo ele, é que seria o foro adequado para punir deputados. Ele alegou, candidamente, que a "amizade" entre os parlamentares e o "espírito de corpo" acabam por contaminar o processo.

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Hoje os processos por quebra de decoro podem ser apresentados por partidos ao corregedor-geral da Casa. Caso ele aceite a denúncia, o processo é enviado ao Conselho de Ética. Em seguida, o relatório vai para votação em plenário. Mais lúcido, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), assegurou que as regras não serão mudadas.

Moreira já teve a experiência de julgar um colega. Em 2006, foi relator no Conselho de Ética do processo envolvendo o deputado José Mentor (PT-SP), acusado de envolvimento com o escândalo do mensalão. Pelo jeito, não se sentiu mesmo à vontade para aplicar uma punição. Fez mais. Ao perceber que seu relatório pela absolvição de José Mentor seria derrotado no Conselho, renunciou à vaga de titular. Agora, com a descoberta do castelo Monalisa e de outras excentricidades tributárias de Moreira, se percebe o porquê de o deputado prezar tanto suas amizades na Casa.