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A localização de 14 tumbas e uma múmia, anunciada por um time de arqueólogos egípcios no início da semana passada, pode jogar novas luzes sobre um dos períodos mais marcantes da história da civilização dos faraós: a dominação pelo Império Romano, que durou do ano 30 a.C. até o final do século III. Antes disso, o Egito já era uma das regiões mais “globalizadas” do mundo antigo e acolhia imigrantes vindos da Grécia, por exemplo, em cidades cosmopolitas como Alexandria. Por sua vez, os centros comerciais de Tebas e Mênfis serviam como portos seguros para colônias de judeus. Mas indícios da presença de não egípcios aparecem com ainda mais intensidade na área do oásis de Bahariya, exatamente a mesma do achado da última semana.

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SINCRETISMO
O selo do deus egípcio Hórus convive com a primeira múmia
greco-romana achada na região

Agora, os pesquisadores pretendem datar os artefatos para confirmar a suspeita de que ali estava situada uma grande colônia greco-romana, estabelecida em algum momento depois do suicídio de Cleópatra e da conquista do território pelo imperador Augusto, cerca de três décadas antes do nascimento de Cristo. “Lá havia muita riqueza. As múmias eram cuidadosamente elaboradas e algumas delas eram decoradas com máscaras de ouro”, diz o egiptólogo Antônio Brancaglion Júnior, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O oásis de Bahariya era produtor de vinho, azeite e tâmaras e a exportação dos produtos garantia a fortuna”, completa. De fato, desde a impressionante descoberta de 17 tumbas e 254 múmias, realizada em 1996, a região passou a ser chamada de “Vale das Múmias Douradas" graças aos adereços de metal nobre com que foram recobertas.

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DELICADEZA
Pesquisadores em ação no sítio arqueológico do oásis de Bahariya

A peça de maior destaque do conjunto encontrado na semana passada, no entanto, é um modesto sarcófago de argamassa com meros 97 centímetros de altura. Nele, destaca-se o delicado desenho de uma mulher com traços mediterrâneos, cujos olhos foram representados por pedras coloridas. Mas os contornos de suas vestes – um lenço sobre a cabeça, uma longa túnica, braceletes e sandálias – são o maior indício de que estaríamos diante de um típico membro da sociedade romana. Dentro da urna mortuária, os arqueólogos acharam uma múmia que será analisada em todos os detalhes pelos cientistas do Supremo Conselho de Antiguidades do Egito.

Trata-se da primeira múmia grecoromana descoberta na região, localizada a cerca de 300 quilômetros do Cairo. Sua importância deve-se ao indício de que a área pode ter sido usada pelos invasores como um cemitério, onde cerimônias que misturavam divindades egípcias e rituais pagãos muito provavelmente eram realizadas. Um pequeno selo de ouro com os quatro filhos do deus Hórus também reforça a tese do sincretismo religioso, que só cessaria ao final do século III (leia quadro abaixo). Exatamente por isso, o líder da equipe de arqueólogos, Mahmoud Afifi, classificou seu achado como “único até agora”.

“Havia muita riqueza na região. Algumas das múmias eram elaboradas
e cobertas com máscaras de ouro”
Antônio Brancaglion, egiptólogo da UFRJ

De acordo com a descrição de Zahi Hawass, secretário-geral do Supremo Conselho de Antiguidades do Egito – conhecido mundialmente graças às polêmicas envolvendo a retomada de peças expostas em museus europeus, como o busto de Nefertiti –, o design do interior do sítio arqueológico também é singular. São labirintos com longas escadarias que levam a um corredor no qual as tumbas estão distribuídas. Quanto ao tamanho diminuto da múmia, o caldeirão religioso que caracterizou o período romano no Egito também pode ser a chave do enigma. Mais uma vez, as tradições das duas civilizações podem ter sido sobrepostas. Sarcófagos de tamanho semelhante foram encontrados em outras partes do Egito, o que pode indicar que os funerais de pessoas de baixa estatura – até mesmo crianças – eram particularmente importantes. Mais um mistério de um passado que não para de nos surpreender.

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